coluna raul lody

O Vinho da “terra”. A água ardente da cana.

11 de set de 2017

As bebidas, quase sempre, estão relacionadas a comensalidade. Elas trazem diferentes significados para os rituais das celebrações e das sociabilidades. Também, a bebida é mostrada em diferentes contextos aonde o gênero declara uma espécie de permissão que delimita o que, onde e como beber.

Ainda, as bebidas trazem imaginários relacionados aos mitos e aos heróis que são relembrados com bebidas, fermentadas e destiladas, nas festas que mostram as muitas maneiras de estabelecer os encontros entre o homem e o sagrado.

Sem dúvida, há um sentido simbólico em cada bebida, na maneira como ela será oferecida, e no contexto social. Cada bebida traz uma referência ou relato de memória, individual e coletiva, de uma sociedade ou de uma civilização.

E a nossa cachaça inclui-se na civilização do açúcar, e faz parte de um amplo e complexo processo econômico, social e cultural, e integra os hábitos do povo brasileiro.

O açúcar da cana de açúcar aclimatada na Índia, e as tecnologias de moagem e de fabrico do mel, da rapadura e da cachaça, chega a partir das experiências dos engenhos da Ilha da Madeira, Portugal Atlântico. E estes saberes são plantados no Nordeste e, em especial, no Recôncavo da Bahia. Vinho da terra, vinho de cana, vinho de borra, vinho de mel, são as primeiras maneiras de chamar a nossa aguardente de cana de açúcar no Brasil.

A cachaça e seu consumo mostram um longo e amplo processo histórico e social. Está bebida, juntamente com a rapadura e o fumo de rolo, fizeram a base do comércio de africanos em condição escrava e, em especial, os vindos de Angola, que chegavam para plantar cana de açúcar, trabalhar nos engenhos, fabricar açúcar, e outros produtos da cana, inclusive cachaça.

Assim, a cachaça foi associada a imagem das classes de escravos, dos crioulos; dos colonos brancos e pobres, que socialmente eram também interpretados como crioulos.

Essa bebida esteve por muito tempo marcada como sendo consumida apenas por uma classe social definida. Isso trouxe muitos preconceitos para a cachaça, que só agora ganha espaço nos cardápios que valorizam os produtos brasileiros. 

E graças a este boom da gastronomia, e por diferentes processos de produção que melhoraram a qualidade da cachaça no mercado, houve a ampliação do consumo por outras classes sociais, tanto em contexto nacional e quanto internacional.

A cachaça atualmente encontra-se no patamar das bebidas destiladas de grande qualidade e que são consideradas como as melhores do mundo.

Raul Lody