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Onjé fun-fun: Comida branca

25 de jan de 2016

As comidas são realizações simbólicas. Elas inicialmente alimentam, mas também trazem memórias, e se comunicam pela forma, cor, cheiro, e principalmente pelo sabor. Cada comida tem um princípio, uma virtude que inclui ingrediente, técnica culinária, estética do prato, maneira de servir, e o seu ritual de comensalidade.

Trago como exemplo uma comida conhecida como ebô, que é feita com milho branco muito cozido, e sem nenhum tipo de condimento. É uma comida fun-fun que significa branco na língua ioruba. Há outras comidas brancas como, por exemplo, o acaçá também preparado com milho branco ou com farinha de arroz; as bolas preparadas com inhame muito cozido; e, as bolas preparadas com arroz sem condimentos.

Essas receitas trazem um forte sentido de ancestralidade, e são uma forma de assumir as memórias das culturas africanas na Bahia.

O sentido da cor branca nas comidas, conforme a tradição africana ioruba na Bahia, é representar os princípios da criação do mundo e do homem, pois os mitos da criação são reconhecidos pela cor branca.

Todo este imaginário da cor branca está nos textos que chegam das tradições orais que fazem parte do contexto afro-baiano. E, assim, as comidas são integradas nos sistemas mais complexos da organização social e mitológica.

Os muitos significados da cor nas comidas, nas roupas, nos objetos, representam os aspectos cromáticos-religiosos que marcam o cotidiano, as festas, as formas litúrgicas de interpretar a natureza.

Os princípios das cores dos ingredientes que estão na mesa afro-baiana trazem uma representação cromática que dá diferentes significados às comidas.

Assim, as comidas brancas, sem condimento, no sistema alimentar afro-baiano, combinam-se com as comidas muito condimentadas; é uma verdadeira harmonização de sabores. O acaçá é bom para acompanhar o vatapá; o arroz branco é bom para acompanhar o efó, que é bom de comer com farofa de azeite; como as bolas de inhame são boas para acompanhar o caruru, entre outros pratos.

É uma verdadeira policromia da mesa afro-baiana. Boa de ver, e boa de comer.

 

Raul Lody