COLUNA RAUL LODY
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As pirâmides do Egito ou o acarajé são patrimônios culturais de significados únicos.

 Não há hierarquia nos patrimônios culturais. Cada patrimônio terá o seu significado próprio.

   

 “A tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, por sua vez são estruturadas por práticas sociais recorrentes.” (Giddens, 1990:37-8).

            Tudo deságua no lugar da identidade e une-se também ao que se compreende por território.

Nas sociedades contemporâneas o que se entende por identidade está em pleno processo de deslocamento ou fragmentação. Certamente no olhar patrimonial busca-se e até justifica-se as ações do Estado, enfatizando o conceito de identidade e sujeito, que é importante argumento para o que se entende por identidades culturais – aqueles aspectos das nossas identidades que surgem do nosso pertencimento à culturas, grupos étnicos, lingüísticos, religiosos, e principalmente na construção do que é nacional. Se há um forte desejo de revelar, salvaguardar, documentar, e registrar fenômenos que têm evidente concentração de identidade, ou de identidades, é porque nas sociedades contemporâneas, pós-modernas, chega-se ao sentimento da crise de identidade: “a identidade somente se torna uma questão quando está em crise”. (Mercer, 1990)

           Isso também é uma busca pela patrimonialização da comida, anexada a busca pela identidade como construções permanentes e dinâmicas de nichos ideológicos. Então, o Estado busca assumir esse lugar legitimador para, de certa forma, recuperar uma trajetória de fazeres, de usos, de costumes e principalmente para atender a exigência crescente das representações dos excluídos dos processos econômicos nesse desenvolvimento global.

 

“A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia [...]”. (Hall, 1990)

 

No desenvolvimento das políticas públicas, ainda integradas à Unesco, destaca-se a 25ª Reunião da Conferência Geral da Unesco (1989) a recomendação sobre a salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, sendo orientação para os países membros até 2003 com a promulgação da Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Imaterial. O governo brasileiro em abril de 2006 ratificou por meio do Decreto nº 5.753 essa Convenção que assim define patrimônio imaterial:

         No caso do ofício das baianas de acarajé e do acarajé que é um fenômeno estudado em espaço urbano na cidade do São Salvador, numa cidade de forte fluxo turístico, nacional e internacional, e que reúne exemplos do patrimônio tradicionalmente consagrado, ou seja: o de pedra e cal, inclusive áreas reconhecidas como Patrimônio da Humanidade _ Unesco _, sugere ações bem mais elaboradas e compreensões mais aprofundadas pelo que se quer entender como identidade,.

.A comida tem vocação patrimonial de testemunho, deslocado em muitos e diferentes movimentos, contudo sempre reconhecidos no ideal de lugar, de identidade tradicional. Creio um dos principais méritos da comida é atribuir valor de povo, de país, de nação. No caso brasileiro, vive-se uma segunda globalização, agora também virtual. É ainda crendo que o cheiro do dendê fervente chama o espírito e dá desejo ao corpo de se aproximar do tabuleiro.

 

RAUL LODY.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.