COLUNA RAUL LODY
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Efuange de Angola e a Maniçoba da Bahia

As profundas relações entre as cozinhas da Bahia e as cozinhas de Angola mostram que durante as travessias do Oceano Atlântico aconteceram muitas trocas, interpretações e invenções de receitas, tanto da Costa da África para o Brasil quanto do Brasil para a Costa da África.

Os ingredientes que chegaram pelo oceano trazem novos sabores e novas maneiras de interpretar as receitas, o que resultou na construção de novos sistemas alimentares.  E, sem dúvida, o dendê de Angola para a Bahia e a mandioca da Bahia para Angola destacam cozinhas que ganharam diálogos, referências, identidades; e ainda o reconhecimento dos seus valores patrimoniais.

A mandioca, nativa da América do Sul, está em Angola há muito tempo, e forma uma base alimentar fundamental e cotidiana que alimenta milhares de africanos. Da mandioca são feitos diversos tipos de pirões como, por exemplo, o infunje ou funje, que é feito a partir da farinha puba, que também é conhecida como farinha d’água ou carimã, quando a mandioca passa por um processo de amolecimento, na água, por um período em torno de cinco dias.

Os grelos, brotos novos e tenros, das folhas da mandioqueira, são escolhidos para se fazer a base do efuange. Estes brotos são muito cozidos e seguem para um pilão para serem transformados em esparregado ou espargado, tipo de purê de folhas. Aí, então, tempera-se com azeite de dendê, com azeite de gergelim; gindungo –pimenta fresca –, cebola, tomate e sal. Serve-se acompanhado de funje de milho, tipo de pirão feito com farinha de milho, que é geralmente insosso, isso para harmonizar com o efuange que é muito temperado.

O efuange é semelhante à nossa maniçoba, uma comida que também é feita com folhas de mandioca muito cozidas, e depois são enriquecidas com carne fresca e embutidos, é uma “feijoada-verde”. Ela é servida com arroz branco, molho lambão e farinha de mandioca. Pode-se, ainda, neste processo culinário, olhar para o efó como uma comida de folhas – folha de taioba, folha de língua de vaca, folha de mostarda –, que também devem ser muito cozidas, e depois temperadas com azeite de dendê; serve-se acompanhado de arroz branco, peixe e farofa.

Essas receitas mostram o aproveitamento das folhas em diferentes interpretações culinárias que aproximam as cozinhas africanas com as cozinhas da Bahia.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.