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Comida: uma referência de etnoalimentação

17 de nov de 2016

A comida da Bahia e, em especial, a comida do Recôncavo é um acervo de ingredientes, de receitas e de tecnologias culinárias que ganham destaque e reconhecimento por trazerem tantas e diferentes referências de povos e de culturas africanas. Há uma história real, e também há uma história cultivada e idealizada, que constrói uma profunda pertença da cozinha da Bahia às suas bases africanas.

Nesses cenários de registros etnográficos e de diferentes formas de apropriações e de reinvenções, vive-se um forte sentimento de “tipicidade” de uma Bahia africana.

Por isso é importante ampliar e relativizar as leituras sobre as Áfricas fundantes desta “tipicidade”. E assim olhar para os acervos do Magrebe, culturas da África mediterrânea que colonizaram a península Ibérica, Portugal e Espanha, e que permaneceram por séculos no território conhecido como Al-Andaluz. E tudo isto antes da chegada dos africanos em condição escrava (século XVI) nas Américas, no Caribe e, em especial, no Brasil. Assim é preciso ampliar um entendimento verdadeiro sobre todas as diferentes “Áfricas” que chegaram e que colonizaram o Brasil.

Sem dúvida, a comida traz um sentimento de território, seja pelos ingredientes, pela estética, pelas receitas, pelo que cada tempero significa, pelos implementos das cozinhas, pelos utensílios de servir e comer; e esses temas estão integrados às memórias ancestrais, e contemporâneas, dentro dos segmentos familiares numa relação comida/pessoa. 

Assim, um prato de quiabos com o azeite de dendê tem um texto visual e culinário que marca muitas histórias, que mostram as relações com a agricultura, com os próprios vegetais, no que cada ingrediente tem de singular e patrimonial para a cultura, para a sociedade, para a identidade e, sem dúvida, para o sentimento de pertença a uma tradição. Comida para afirmar matrizes étnicas, para marcar lugares, e também para se rever conceitos sacralizados de tipicidade.