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São Jorge, a comida e o caçador

19 de abr de 2017

Sem dúvida, as diferentes matrizes etnoculturais, que marcam a nossa “cara” como brasileiro, confirmam como são profundas as nossas relações com o continente africano, que marca, em especial, as nossas tradições religiosas. E estas tradições revelam lugares sociais, acervos culturais, e a manutenção de muitos patrimônios como música, dança, técnicas artesanais, indumentárias e penteados. Nestes contextos, destaque para a comida, e os múltiplos processos culinários, a partir das escolhas de ingredientes, receitas e utensílios, que fazem parte dos rituais de alimentação das casas, das feiras, dos mercados, dos terreiros e das festas públicas.

Esse forte sentimento de religiosidade africana agrega-se às nossas diferentes interpretações de fé, e aproxima os santos da Igreja aos sofisticados sistemas religiosos dos Iorubá como, por exemplo, os orixás. Tudo isso traz um sentimento e uma identidade de ampla expressão cultural bem à moda afro-baiana.

Entre os santos mais populares desse rico processo multicultural está São Jorge, santo guerreiro, interpretado na sua iconografia como um santo caçador; e, assim, aproxima-se, em imagem e função mítica, do orixá caçador Oxóssi, com seu arco e flecha, que de maneira ecológica seleciona a sua caça.

Nesses cenários de significados e de expressões afro-baianas, valoriza-se a caça como uma ação que provê comida, fartura de alimentos, e isso, no imaginário coletivo, une o santo ao orixá.

Assim, as comidas representadas pelas frutas, pelas carnes, pelos cereais e, em especial, pelo milho, além de outros ingredientes que fazem parte do ideal de fartura na cozinha das casas e, em especial, nas cozinhas dos terreiros; são maneias de trazer o sagrado à mesa, e mostrar nos cardápios africanos à base de dendê a estética peculiar e tão baiana. Tudo reforça um sentimento dominante de que comer é antes de tudo um ato sagrado.