COLUNA RAUL LODY
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O dendê está fervendo

Se existe um ingrediente que identifica a Bahia e as cozinhas de matriz africana no Brasil é o tão querido e celebrado AZEITE DE DENDÊ.

O dendezeiro, conhecido pelos Ioruba como Igi Opé, é a verdadeira árvore da vida, porque tudo se aproveita do dendezeiro. E é a árvore sagrada que representa o orixá Ogum, na forma de mariô – folhas verdes do dendezeiro desfiadas para fazer franjas –, e são usadas para proteger as casas e as pessoas.

Orixá da agricultura, da caça, e da luta. Ogum também representa a tecnologia, a maneira como o homem transforma a natureza. Assim, a mitologia deste orixá diz que ele ensinou a fabricar as ferramentas agrícolas, o arco e a flecha para caçar; entre outras coisas que podem ser transformadas através de técnicas; além do entendimento sobre o meio ambiente para produção de alimentos.

O dendezeiro dá aos sistemas alimentares o azeite que realiza uma verdadeira civilização. As comidas de azeite, as preparadas com azeite de dendê, integram os cardápios patrimoniais das mesas da Bahia. Assim, há ricos cardápios que trazem a cor, o cheiro e o sabor do dendê às mesas; como também aos tabuleiros das baianas de acarajé.

Assim, quando se passa por uma rua ou uma praça aonde se sente o cheiro do dendê fervendo, ali próximo haverá um tabuleiro com uma baiana no comando da fritura do acarajé. O dendê fervendo traz muitas memórias; traz sentimentos que são verdadeiros temperos para um pensamento que une comida e tradição. 

Para os baianos, o cheiro do dendê, o gosto do dendê, e o prazer de se comer um bom acarajé, indica o pertencimento a um lugar social, a uma Bahia africana.  O entendimento que determina identidade e patrimônio alimentar é um território simbólico que nasce na vivência com o ingrediente.

A Bahia cheira a dendê. O sagrado cheira a dendê. O candomblé cheira a dendê. As celebrações para Santa Bárbara, padroeira dos acarajés e das baianas de acarajés cheiram a dendê.  E, o orixá Iansã, que é a mulher-dendê, cheira a dendê.

 

RAUL LODY

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.