COLUNA RAUL LODY
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Frutas maduras para Oxum e Conceição da Praia

Na Bahia, são muitas as festas que celebram os santos da Igreja unidos aos orixás. As devoções chegam de memórias ancestrais que trazem grandes temas mitológicos que dão identidade para milhares de pessoas expressarem sua fé. São momentos para cumprir promessas, realizar cortejos, procissões, danças, cantos, comidas, que comunicam um sentimento sagrado. Também, as devoções promovem encontros coletivos como maneira de manter identidade e de marcar um lugar social na sua religiosidade, seja na Igreja e/ou no Terreiro de Candomblé.

As festas tradicionais da Bahia, digo da cidade do São Salvador, são conhecidas por “Festas de Largo”, talvez por seus principais momentos acontecerem nos Largos, nos adros das igrejas, onde se pode manifestar fé através da festa. Acarajé e samba de roda são algumas das expressões que hoje são reconhecidas como patrimônio, e integram estas formas devocionais.

São amplos calendários religiosos de festas que duram dias, que celebram diferentes rituais de sociabilidades, e maneiras de experimentar a devoção integrada à comida, seja nas barracas com suas especialidades culinárias, tais como: feijoada, vatapá, caruru, mocotó; seja nos tabuleiros das baianas; entre muitas ofertas para se viver os rituais de comensalidade.

A celebração da Conceição da Praia, padroeira da Bahia, é a festa religiosa da Igreja mais antiga do Brasil, por isso é muito popular na cidade do São Salvador.

Assim, no dia 08 de dezembro vive-se a grande manifestação religiosa que é ampliada nos sentimentos devocionais dos baianos ao orixá Oxum. E, no dia 04 de dezembro vive-se o dia consagrado a Santa Bárbara, uma santa da Igreja profundamente identificada com o orixá Iansã, e com o ofício das mulheres que fazem e vendem acarajés na rua, as baianas de tabuleiro.

Ainda, Santa Luzia é celebrada no dia 13 de dezembro, e é identificada como Oxum-Apará, quando se comemora com procissão e samba de roda, que no passado ocorria no Mercado do Ouro, e era promovido pelas filhas de Oxum do tradicional candomblé da Casa Branca.

Estas Festas de Largo, que acontecem no mês de dezembro, comemoram as santas da Igreja se identificam com as iabás – orixás femininos que representam as águas, os ventos, a maternidade – na tradição de matriz africana.

E, além disso, em dezembro, no Trópico, estamos em pleno verão, um momento aonde há uma grande oferta de frutas suculentas e doces, próprias da época. Estas frutas integram o imaginário religioso de matriz africana do candomblé da Bahia, e fazem cardápios especiais que têm suas representações sagradas. Mangas, cajus, abacaxis, entre outras. Este olhar para as frutas de época revela um sentimento próprio da fé afro-baiana.

As frutas maduras são oferecidas dentro de louças de porcelana e/ou de barro nos santuários aonde se celebra Oxum no candomblé, e no entorno da igreja da Conceição, quando se vive um outro momento de partilha deste banquete de frutas durante as Festas de Largo.

Frutas saborosas, suculentas, maduras, que abastecem a boca com água doce. Frutas integradas aos cenários do verão e das celebrações perto do mar, do mar da Bahia que traz testemunhos dos barcos, da vida no porto, dos mitos e das histórias que formam tantas expressões de fé de populações que se reencontram todos os anos no dia 08 de dezembro.

 

RAUL LODY.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.