COLUNA RAUL LODY
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O café é tão africano quanto o Dendê

A partir do continente africano, o “grão-do-paraíso”, um tipo de pimenta seca, conhecida popularmente na África Ocidental, na área iorubá, como atá ou ataré, inicia-se um amplo e importante ciclo econômico e social das especiarias que se integram ao ciclo das grandes navegações de Portugal. Assim, há uma ampla e diversa expansão que cria contatos comerciais, sociais e culturais, entre o Ocidente e o Oriente, e realiza um verdadeiro processo de globalização em pleno século XVI.

Essas relações trazem um rico e diverso intercambio de ingredientes, de técnicas culinárias, de utensílios culinários; além de muitas e novas receitas, que nesse contexto de época, destaca-se a doçaria e o hábito de tomar café.   

A especiaria africana chamada de “grão-do-paraíso” une-se as outras especiarias do Ceilão, da China e da Índia: cravo, canela, noz-moscada, gengibre, entre muitas; e da Nova Guiné com a cana-de-açúcar, que foi a base para um amplo processo colonial que estabeleceu a Civilização do Açúcar, e que é fundante no Nordeste brasileiro e, em especial, na Bahia e em Pernambuco. 

Ainda, da África, chega o dendezeiro, um aproveitamento amplo de tudo que está palmeira pode oferecer, como o fabrico do azeite a partir dos seus frutos, o nosso tão estimado azeite de dendê. 

E esta palmeira desenvolve-se e segue por toda a Costa Ocidental e Austral do continente africano; e é uma verdadeira marca da presença africana nas nossas cozinhas regionais, com destaque para a cozinha do Recôncavo da Bahia.

Desta pluralidade de ingredientes e de povos do continente africano, faz nascer o café uma espécie nativa da Etiópia, e ainda de outras áreas do continente como a centro-atlântica.

O café da Etiópia ganha o mundo como o café do grão Arábica, e o da área centro-atlântica como café do grão Robusta, e ambos marcam de forma ampla o plantio e o consumo do café no Brasil.  

E assim, café e dendê estão na vida, nos hábitos alimentares, e no cotidiano dos brasileiros e, em especial, nos processos da construção e da afirmação de identidades a partir de espécies nativas do continente africano.

 

Raul Lody 

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.