COLUNA RAUL LODY
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Os tabuleiros do Sabejé, uma tradição afro-baiana.

Durante o mês de agosto é tradição nas religiões de matriz africana e, em especial, no candomblé da Bahia, a realização de um ritual público que celebra e anuncia o período das colheitas conhecida como “Olubajé”.

Nessa festa são servidas muitas comidas, há um cardápio com dezenas de preparos culinários que mostram como a natureza é ampla e pode alimentar com fartura, e variedade de sabores, os deuses e os homens. Bolas de inhame, acarajés, abarás, doborus; acaçás branco e acaçás vermelho, efó, aberém; farofa de dendê, ado, feijão preto no dendê, carnes de aves e de caprinos em diferentes preparos, ebô; entre outros. Todas estas comidas são servidas em folhas de mamona, que funcionam como pratos individuais; e, seguindo o costume da festa, deve-se comer de mão. 

Para anunciar e lembrar esta importante celebração sobre os ingredientes que chegam da agricultura é realizado o “Sabejé” – cortejo sagrado que vai para as ruas e praças num ritual que simboliza a visita do orixá Omolu, que é caracterizado pela comida simbólica chamada de “doboru”, pipocas feitas de milho-alho. 

Esse cortejo é realizado por um iniciado que porta na cabeça um tabuleiro que contém o xaxará, objeto sagrado e elementos da roupa do orixá homenageado, Omolu, feito de palha da costa, búzios contas; tudo é organizado sobre toalhas brancas bordadas.

O iniciado é acompanhado por outra pessoa, normalmente uma mulher com traje de baiana e um cesto, também na cabeça, com as pipocas e algumas fatias de coco in natura, que são oferecidas para serem comidos.

Contudo, muitas pessoas que rebem as pipocas preferem passar pelo corpo, e assim tomam verdadeiros banhos que simboliza a purificação, porque nas religiões de matriz africana o conceito de comer vai muito além da boca. Deste modo, o Sabejé interage com as pessoas, lembra as festas de agosto, mostra a devoção deste verdadeiro patrimônio das matrizes africanas na Bahia.

Sem dúvida, a beleza e a estética desta celebração marcam a cidade com fé e tradição, e apoiado sempre no ato da alimentação, comunica e expressa o pertencimento a uma tradição afro-baiana.

 

Raul Lody

 

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.