COLUNA RAUL LODY
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O caruru de Santa Bárbara

A Bahia é assim: mistura santo da Igreja com Orixá do candomblé. E nestas maneiras de entender o sagrado, vive-se um sentimento de devoção para poder festejar, oferecer comida; e trazer memórias africanas que estão presentes nas procissões, nos rituais dos terreiros e nos ofícios das baianas de acarajé.

Santa Bárbara é uma das santas mais populares porque é também Iansã, orixá dos ventos, mulher de Xangô, dona do acarajé. Ela é uma santa que gosta de samba de roda, de muita gente participando das suas devoções nas ruas, nos candomblés; ou ainda em cada tabuleiro, quando é lembrada nas tradições orais que mostram as preferências da santa-orixá pelas comidas feitas com muito dendê, as comidas de ‘azeite’. 

Santa Bárbara – Iansã – gosta de vermelho, é guerreira, é sensual, e mostra o sentido heroico da mulher na busca pelos seus direitos na sociedade e na cultura. E por tudo isso, ela quem ensinou como fazer acarajé, para poder garantir um trabalho, um ofício para mulher.  

Nesta fé popular, na santa e no orixá, revela-se um sentimento pelo sagrado no cotidiano, na vida, no trabalho, nas muitas maneiras de louvar e se aproximar de uma fé ampla e plural que traduz muitas histórias.  Porque nas devoções para Santa Bárbara há um elo de intimidade do devoto com o que é divino, na melhor tradição afro-baiana. 

E o caruru de quiabos é o oferecimento ritual para a santa e para o orixá, uma comida que também é dedicada a Cosme, outra importante devoção nos costumes da Bahia.

Com quiabos ainda se prepara uma outra comida sagrada o amalá de Xangô, com muita pimenta este guisado é colocado sobre uma massa de inhame e servido numa gamela de madeira, e há os acaçás brancos que complementam este banquete feito com muito dendê. 

As comidas de quiabo marcam os preceitos através da alimentação. É a comunicação que se dá pela comida que é preparada como voto de fé, e que integra o sentimento sagrado, tanto na santa quanto no orixá. Comer caruru é comer o sagrado numa interação única entre festa e religiosidade, quando se vive a santa-orixá nas tradições da Bahia.

 

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.