COLUNA RAUL LODY
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Acarajé, um tema sempre em questão

As escolhas das comidas acontecem não só pelos sabores, mas pelas oportunidades de consumo e pelo acesso aos ingredientes.

Com certeza, a comida vai muito além da alimentação, e traz muitos significados que vão desde os cenários social e cultural, até afirmações sobre as representações ideológicas de um povo, de uma região, de um segmento étnico, entre outras coisas.

Destaque para o caso do acarajé da Bahia, que é uma comida emblemática deste Estado, e que traduz uma base de africanidade já integrada a muitas outras referências como música, dança, vocabulário, roupa, processos culinários e religiosidade.

O acarajé ganha também o reconhecimento pelo governo do Brasil, e assim o “Ofício das Baianas de Acarajé”, e bens agregados, passa a integrar o Patrimônio Nacional.

Sem dúvida, este processo de reconhecimento oficial, que também é simbólico, passa por amplos processos de apropriação que chegam de interpretações livres e criativas. E estes processos nem sempre manifestam aspectos verdadeiros, e formadores de um entendimento sobre o acarajé nos seus mais variados âmbitos da alimentação afro-baiana. Exemplo é a atual onda de intérpretes do acarajé que traduzem a palavra como “bola de fogo”.

A partir da tradução direta do Ioruba, a palavra acarajé chega da união das palavras àkarà – pão ou biscoito –, e jé – do verbo comer –, ou seja: pão ou biscoito de comer.  Ainda, pode-se interpretar como bolinho de comer, que é a tradução mais usual.

Assim, nesses contextos de salvaguarda do Oficio das Baianas de Acarajé, e certamente do acarajé, devem ser também preservadas as fontes de pesquisa e de documentação fundamentadas, que atuam e colaboram para o fortalecimento destas expressões da cultura afro-baiana.

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.