COLUNA RAUL LODY
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Memória, Sabor & Museu

O século XXI aponta para um mundo globalizado, e que crescentemente vem valorizando a comida nos seus mais variados estilos, tipos e tendências.

E nestes cenários, o mercado, o consumo, a glamourização; os programas de TV, a mídia web, os restaurantes, oferecem, cada vez mais, um amplo e variado cardápio de tudo o que a curiosidade, a história, o exótico, podem trazer dentro das diferentes percepções que há sobre o alimento, a cozinha, a comida e a bebida.

É um novo universo de performances, de exibições, num verdadeiro circo de variedades para atender um desejo coletivo do espetáculo de fazer comida. A comida é cada vez mais um divertimento, um lugar sacralizado pela ludicidade.

E assim, a comida é um espetáculo, não necessariamente como alimento.  Comida para apreciação. Comida para determinar lugar social. Comida um tema de desejo. Comida para inserção de poder. Comida para comunicar e estabelecer relações comerciais, entre tantas. Assim, a comida é cotidiana, a comida é sagrada; a comida é virtual.

Destaque para o fast food tradicional, como, por exemplo, o tabuleiro da baiana de acarajé; a vendedora de tapioca; o vendedor de mingau de carimã e de milho; entre outros que fazem vivificar os sabores e preservar as memórias dos paladares.

Essas formas de consumir comida nas ruas são verdadeiras manifestações do que se entende por “museus a céu aberto”.

O museu é um espaço cada vez mais plural e diverso, para apreciar, experimentar, e afirmar memórias, identidades, e interagir com diferentes públicos.

E, no caso da comida, o museu traz todo esse processo verdadeiramente antropológico e patrimonial numa tradução ampla para socializar conhecimentos sobre povos, etnias, cozinhas, tendências gastronômicas, entre tantas maneiras de localizar a pessoa e a comida.

Um caso exemplar é o restaurante “El Bulli” do chef Fernan Adriá, um propagador da cozinha molecular, e que por um período marcou o desejo global na gastronomia. Em 2020, Adriá inaugura não mais um restaurante, mas um museu e um espaço técnico sobre a comida.

Com certeza, ele irá trazer as comidas regionais da Espanha, num reconhecimento das tradições, das memórias, dos paladares como acervos já reconhecidos como fundamentais para o mundo.

Assim, nesses contextos de comida e cultura, pioneiro no Brasil e na América Latina, é o nosso Museu da Gastronomia Baiana, que no seu sistema museológico possibilita o conhecimento, a experiência e a interatividade dos visitantes com as suas memórias de paladares, com a comensalidade, e com os demais acervos que afirmam as relações entre a pessoa e a comida.

Raul Lody.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.