COLUNA RAUL LODY
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São João: milho à mesa

Sem dúvida, para celebrar é preciso comer e beber, e assim também viver os rituais de comensalidade; e, as festas de junho, dedicadas aos santos populares Santo Antônio, São João e São Pedro, especialmente no Nordeste aonde são marcadas por uma ampla e rica culinária à base de milho, onde festejar e comer se misturam.

Aliás o milho branco marca algumas receitas da tradição afro-baiana, como o acaçá branco, totalmente insosso; o acaçá temperado com açúcar, leite de coco e especiarias; e os grãos de milho branco cozido são a base de uma comida ritual chamada “ebô”, comida de Oxalá para os candomblés da Bahia.

Também nas festas dos santos de junho temos as pamonhas; os mingaus, que vão além das festas e estão também no cotidiano das tradições alimentares dos baianos, e são feitos de carimã, milho, tapioca. Ainda, há o mungunzá, já integrado aos costumes alimentares das casas na vida diária. Feito tanto de milho branco quanto do milho amarelo, com leite de vaca ou leite de coco, açúcar, cravo e canela em pau, tem destaque enquanto uma comida de celebração.

E as fogueiras rememoram as celebrações ancestrais e remotas dedicadas ao culto do sol, e marcam também o equinócio de inverno no hemisfério Sul. Todos estes sentimentos e símbolos relacionados ao fogo se relacionam com o cereal milho, e perpassam por diferentes processos dentro das tradições religiosas, e se unem ao culto de São João, que integra imaginários diversos, e que chega nas religiões de matriz africana como uma das representações do orixá Xangô. Ainda, nos costumes de matriz africana é o quiabo, o azeite de dendê e o inhame, fazem parte das comidas rituais do orixá Xangô.

Certamente são plurais os temas e os motivos que trazem o sagrado para as nossas celebrações tradicionais, e por isso São João é um tema marcante para muitas expressões de religiosidade. Assim, com as fogueiras, celebram-se o santo, o orixá, o sol, o fogo, a vida, a fertilidade, nesta nossa maneira de ser multicultural.

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.