As tradições do ciclo do natalino se estendem até o dia 6 de janeiro, dia dos “Santos Reis”, onde se revela um amplo imaginário popular que tem como tema central a visita dos três Reis Magos do Oriente à cena da natividade em Belém. E esta visita é rememorada com comidas especiais, cortejos, e autos dramáticos que fazem parte do nosso teatro popular.
Tudo acontece num criativo teatro de rua que mistura desfile, louvação, e visitas às casas para adorar os presépios. Nestas visitas, o bem receber incluía o oferecimento de vinho tinto; de licores, especialmente de jenipapo; de boa cachaça do Recôncavo; de rabanadas ou fatias de parida; de doces de frutas e, em destaque, o doce de araçá; entre outras comidas e bebidas para os participantes dessas manifestações das festas dos Santos Reis.
Na Bahia, os bailes pastoris trazem enredos e temas desenvolvidos com poesia, música e coreografias especiais; e, ainda, há roupas e alegorias de mão para comunicar esta tradição de festa.
Assim, trago o baile pastoril com o enredo “um jantar dos camponeses”, do século XX, do bairro do Cabula, Salvador. As poesias mostram as comidas de festa, e as bebidas mais populares, sendo um importante registro da etnografia da alimentação nas festas de Reis na Bahia.
“Licores finos, champanhota
O conhaque e a cerveja
Enfim, o que há de melhor
Na lista da bebedeira.
A popular cachacinha
Não ficará esquecida
Breve deve aqui chegar
A pau e cora uma pipa
Doces os mais delicados
Que se podem imaginar
Marmelada, doces d’ovos
E também de araçá
Tem um belo pão-de-ló
O bolo inglês e o pudim
Tem confeitos de qualidade
E bolinhos de aipim.
Tem e sequilhos
E também a sericaia
Pastéis, suspiros e sonhos
E muitos doces de valia
Também tem boa sobremesa
Uma rica feijoada
Dois mocotós de vitela
E de carne moqueada”.
Estes versos exemplificam uma variedade de comidas e de bebidas trazem um rico acervo de alimentos e receitas que mostram os hábitos alimentares, e as escolhas especiais das comidas que são servidas de maneira cerimonial nessas festas. Ainda, a poesia faz uma recuperação do que se comia na Bahia, e se torna um acervo patrimonial sobre alimentação e celebração popular na cidade do São Salvador.
Quero destacar o importante livro “Bailes Pastoris na Bahia”, de Mello Morais Filho e de Manoel Querino, lançado pela Câmara dos Vereadores da Cidade do Salvador em 1957 (Pg. 213), usado para retirar as transcrições da poesia presente no texto. Ainda, quero localizar as etnografias que realizei nos anos 1970 na cidade do Salvador sobre “Os Ternos de Reis”.
Raul Lody