COLUNA RAUL LODY
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Baile Pastoril: Um jantar dos camponeses 

As tradições do ciclo do natalino se estendem até o dia 6 de janeiro, dia dos  “Santos Reis”, onde se revela um amplo imaginário popular que tem como tema central a visita dos três Reis Magos do Oriente à cena da natividade em Belém. E esta visita é rememorada com comidas especiais, cortejos, e autos dramáticos que fazem parte do nosso teatro popular. 

Tudo acontece num criativo teatro de rua que mistura desfile, louvação, e visitas às casas para adorar os presépios. Nestas visitas, o bem receber incluía o oferecimento de vinho tinto; de licores, especialmente de jenipapo; de boa  cachaça do Recôncavo; de rabanadas ou fatias de parida; de doces de frutas e, em destaque, o doce de araçá; entre outras comidas e bebidas para os participantes dessas manifestações das festas dos Santos Reis. 

Na Bahia, os bailes pastoris trazem enredos e temas desenvolvidos com poesia, música e coreografias especiais; e, ainda, há roupas e alegorias de mão para comunicar esta tradição de festa.  

Assim, trago o baile pastoril com o enredo “um jantar dos camponeses”, do século XX, do bairro do Cabula, Salvador. As poesias mostram as comidas de festa, e as bebidas mais populares, sendo um importante registro da etnografia da alimentação nas festas de Reis na Bahia. 

 

“Licores finos, champanhota 

O conhaque e a cerveja 

Enfim, o que há de melhor 

Na lista da bebedeira. 

 

A popular cachacinha 

Não ficará esquecida 

Breve deve aqui chegar 

A pau e cora uma pipa  

 

Doces os mais delicados 

Que se podem imaginar 

Marmelada, doces d’ovos 
 

E também de araçá 


Tem um belo pão-de-ló 

O bolo inglês e o pudim 

Tem confeitos de qualidade 

E bolinhos de aipim. 
 

Tem e sequilhos 

E também a sericaia 

Pastéis, suspiros e sonhos 

E muitos doces de valia 
 

Também tem boa sobremesa 

Uma rica feijoada 

Dois mocotós de vitela 

E de carne moqueada”. 
 

Estes versos exemplificam uma variedade de comidas e de bebidas trazem um rico acervo de alimentos e receitas que mostram os hábitos alimentares, e as escolhas especiais das comidas que são servidas de maneira cerimonial nessas festas. Ainda, a poesia faz uma recuperação do que se comia na Bahia, e se torna um acervo patrimonial sobre alimentação e celebração popular na cidade do São Salvador. 

Quero destacar o importante livro “Bailes Pastoris na Bahia”, de Mello Morais Filho e de Manoel Querino, lançado pela Câmara dos Vereadores da Cidade do Salvador em 1957 (Pg. 213), usado para retirar as transcrições da poesia presente no texto. Ainda, quero localizar as etnografias que realizei nos anos 1970 na cidade do Salvador sobre “Os Ternos de Reis”.

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.