Existir e comer são duas ações indissociáveis. Come-se por inteiro, sendo a boca o último lugar que receberá o que chamamos de comida, alimento... Comer é um conjunto de sentidos e de sentimentos que se juntam para fazer um diálogo simbólico entre o corpo e mundo.
Há uma forte interação entre pessoa e comida. Pois, certamente, os sinais de pertencimento, de território, de lugar, de história, de momento de vida, do cotidiano, da festa, da religiosidade estão presentes compondo e temperando de significados cada prato.
A comida, sem dúvida é tradutora, inicialmente, do meio ambiente, das opções que a natureza e a cultura oferecem na construção de identidades, singularizam regiões, comunidades, pessoas.
Cada ingrediente compõe um texto de símbolos que será detalhadamente compreendido nas maneiras de se chegar a cada sabor, ou na mistura de sabores, na hierarquia dos sabores, enfim: nas relações físicas entre o corpo e o que é oferecido no prato, na mão, tocando no espírito e finalmente na boca.
Está na boca as mais notáveis ações que dão a pessoa o seu lugar em uma família, em um povo, em uma civilização.
O idioma que é falado e a comida que é incorporada ao corpo, ao amplo sistema de relações sociais fazem da boca um privilegiado espaço de comunicação e de atestação do mundo, das representações desse mundo para cada pessoa.
Existir em corpo e em espírito marcam territórios além das receitas, dos vocabulários, dos textos ditos e digeridos na renovação necessária da comida nossa de cada dia. Comida para o corpo biológico, comida para o corpo simbólico tão voraz quanto o primeiro.
Assim, para o baiano o dendê é símbolo e sabor que marca e revela memórias ancestrais, estabelece hábitos alimentares, identifica e singulariza territórios.
Raul Lody.