COLUNA RAUL LODY
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Biscoitos, sequilhos e paladares da Bahia.

Os biscoitos, na sua variedade de técnicas e de estilos culinários, fazem parte da ampla trajetória das cozinhas do mundo. Estão integrados ao grupo dos pães e dos bolos secos, por causa das suas características comuns quanto ao uso das farinhas e das gorduras, tanto nas produções artesanais quanto nas industriais.

Na Pérsia, século VII, já se tem o registro sobre o biscoito feito à base de farinha de trigo e de farinha de centeio.

Estas receitas à base de diferentes farinhas ganham o acréscimo de outros ingredientes como sal, açúcar e especiarias. Também passam a formar os hábitos alimentares e as dietas de alguns ofícios, categorias de trabalhadores.

É o caso dos marinheiros durante as Grandes Navegações de Portugal, séculos XV e XVI, onde se verifica a importante presença dos biscoitos nas provisões de bordo.

Biscoitos chamados como “biscoitos de marear” ou “pão do mar” eram salgados, e muito duros, porque recebiam um cozimento duplo, daí se atribuir o nome biscotto, bis=mais uma vez, e, cotto=cozido.

Estes biscoitos faziam parte das provisões da “matulagem” da tripulação das naus portuguesas, certamente por causa da sua grande durabilidade. Porque navegar é preciso...

Ainda, muitas localidades têm um mesmo sentido de uso, e de receita, para as bolachas, enquanto um tipo ou um estilo de biscoito. E a palavra “bulla”, que significa arredondado, marca uma identificação visual com o bolo, talvez, por isso a maioria das bolachas sejam arredondadas.

Assim, os variados tipos de biscoitos ampliam-se na confeitaria, na padaria, e ganham novas interpretações com diferentes ingredientes, e assinaturas regionais, de terroir; também passam a integrar muitas criações gastronômicas.


 

É amplo e diverso o consumo de biscoitos na nossa alimentação cotidiana. E, sem dúvida, há uma identidade remota a qual podemos chamar de uma verdadeira civilização do trigo que atua na construção dos nossos paladares.

Ainda, as farinhas dos diferentes tipos de trigo, e as farinhas de muito outros cereais e raízes, fazem parte da maioria das receitas dos biscoitos, tanto os doces quanto os salgados, como os sequilhos, uma criação que se identifica com os biscoitos secos, e que são geralmente doces.

Um caso de destaque na produção, e no consumo, de biscoitos e de sequilhos no Nordeste, é a cidade de Vitória da Conquista, Bahia, onde há um mercado com mais de trezentos estabelecimentos para comercializar biscoitos e sequilhos. Sequilhos de amido de milho, de mandioca, de araruta; com especiarias como canela; com sabores amanteigado, creme de leite, queijo com goiaba, coco, entre tantos outros.

Ainda, a bolachinha de goma doce; o “avoador” que é o biscoito de polvilho arredondado, e geralmente salgado; o biscoito com sabor de maracujá, de abacaxi, de erva-doce; biscoitos estilo casadinho de goiaba; bolachinha de canela simples. É um rico e criativo acervo de sabores.

Assim, com centenas de tipos, sabores, formas; e nomes de biscoitos e de sequilhos, essa “civilização do biscoito” nos possibilita tantos e variados sabores, que acompanham os nossos hábitos alimentares, desde o café da manhã, como uma refeição ligeira, até para formar os cardápios de festas.


 

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.