COLUNA RAUL LODY
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“Estar de saia”: roupa, identidade e tabuleiro

 

 

A complexa organização das roupas tradicionais, que fazem o que conhecemos como roupa de baiana, recorre a amplos e diversos imaginários sociais.

. Assim, pode -se entender as roupas e suas funções na vida cultural afro-baiana.. As joias sempre identificaram o lugar da mulher afro-baiana nas suas muitas relações com o trabalho e com a religiosidade.

As peças com que se ornam são de excessivo valor e quando a função o permite aparecem com suas mulatas (...) vestidas com rodadas saias de cetim (...) e tanto é o ouro que cada uma leva em fivelas, cordões, pulseiras, colares, ou braceletes de bentinhos(...).”

Salvador, BA, 1787/1799

Luiz dos Santos Vilhena, Cartas de Vilhena. Notícias soteropolitanas e brasílicas, vol. 1, p. 47-8.

Na composição das roupas de baiana cada turbante tem um sentido e um significado.

As mulheres usam geralmente uma camisa de algodão, sem mangas, acompanhadas por um cinto, e um pano de cor que enrolam artisticamente à cabeça, como um turbante. Mas as escravas que os senhores mandam à rua para vender água, doces ou frutas, levam em regra vestidos de chita, muito limpos, enfeitados com fitas na cintura e às vezes com lenços de seda ao pescoço.”

s.l., 1830

Carl Seidler, Dez anos no Brasil, p. 239.

Provavelmente se encontrará uma alternativa crioula negra ‘mina’, que se gaba de ser chamada pelo nome de ‘baiana’. Seu turbante, seu xale, seus ornamentos e graça nativa inatingível pela moda moderna.”

Salvador, BA, 1855/1865

Daniel Parish Kidder e James Cooley Fletcher, O Brasil e os brasileiros, vol. 2, p. 200.

 

As roupas são organizadas com diferentes peças de tecido. :camisa ou camizú, bata , anáguas, saias, pano da costa , e outros elementos de representação do lugar social da mulher, Destaque para as chinelas à mourisca.

 

O busto nu, envolto na camisa alva de neve – feita do mais macio dos tecidos, exageradamente bordada e com rendas na fímbria – graciosas chinelas brancas calçando-lhes os negros pés nus que a saia muito curta deixa ver até acima do tornozelo; na cabeça, um pano de turbante (...) – assim foi que vi muitas negras minas na sua fatiota domingueira (...).”

Salvador, BA, 1858

Robert Ave-Lallemant, Viagem pelo norte do Brasil no ano de 1859, p. 22.

 

E assim, com todos estes elementos visuais de usos e de significados especiais nascem as roupas do oficio que consagramos em chamar e valorizar como ‘baiana de tabuleiro”, baiana de acarajé, ou simplesmente baiana.

 

RAUL LODY.

 

 

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.