COLUNA RAUL LODY
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A mesa afro-baiana

Genericamente os produtos originários da ampla costa atlântica do continente africano são conhecidos como da Costa. Exemplo: pimenta-da-costa, inhame-da-costa, pano-da-costa, palha-da-costa entre muitos outros. Há um longo caminho histórico e econômico unindo o que vem da Costa na formação do povo brasileiro. Para fabricar açúcar, no início do século XVI começaram a chegar, em regime escravo, negros da costa, e assim por um período de trezentos e cinqüenta anos, cerca de dez milhões de homens e mulheres vieram povoar e co-formar a cultura e a sociedade brasileira.

Africanos da costa ocidental, também chamada de costa do ouro, costa dos grãos, costa da malagueta ou simplesmente costa africana; ainda chegaram africanos da área austral onde encontram-se o Congo e Angola e da costa oriental onde está Moçambique. Destacam-se também as civilizações afro-islâmicas fortemente presentes com os povos. Hauçá, Mussurumin, Fulah, entre outros, influenciando e determinando o caráter brasileiro.

Nessa ampla confluência de Áfricas, de estilos e maneiras culturais tão diversas, forma-se no Brasil uma afrodescendência que é visível, que é experimentada e que é profundamente orientadora dos sistemas alimentares, das escolhas dos ingredientes, das tecnologias culinárias e nos significados de muitos pratos construindo o sentido civilizador do gosto, do paladar, dos sabores regionalmente vivenciados pelo brasileiro.

A chamada cozinha afro-brasileira reúne diferentes cozinhas da África, agregando outras presenças como do mundo Magreb, da África do Norte, especialmente do Marrocos. O que se conhece por cozinha portuguesa e mais ainda por cozinha ibérica é um processo milenar de intercâmbios e de permanências da África do Norte na formação de receitas, pratos, cardápios e das opções culinárias de Portugal que é um país fortemente afro-muçulmano.

Assim, entende-se de maneira mais ampla e complexa o que se chama de cozinha afro-brasileira, reunindo povos, civilizações de grande parte do continente africano.

Formas adaptativas incluem ingredientes africanos como o inhame e o dendê, determinando soluções gastronômicas que recuperam receitas portuguesas como é o caso do vatapá, prato que resignifica com adesões de outros ingredientes a açorda (prato mole a base de pão e azeite de oliva).

Ainda ingredientes do Brasil chegam à costa africana, determinando cardápios e pratos como é o caso da farinha-de-mandioca levada daqui para Angola, formando o prato nacional chamado fungi, que é um tipo de pirão que acompanha carnes, aves e peixes.

Ainda no continente africano o retorno de uma cozinha construída no Brasil, sendo mantida pelos agudás, africanos que voltaram especialmente para o Benin e para a Nigéria.

Sem dúvida, o amplo patrimônio gastronômico de civilizações africanas e de soluções e recriações afrodescendentes fazem um dos mais notáveis caminhos para compreender o que come o brasileiro.

 

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.