COLUNA RAUL LODY
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A festa e a memória do sabor

Sem dúvida, a festa é um dos mais importantes momentos para se viver os diferentes rituais da alimentação e da comensalidade, porque as celebrações trazem o oferecimento de comida e de bebida que são identitárias dos rituais sociais que fazem parte dela. Comer e beber é se socializar com a celebração à mesa, diante de um prato de comida e de um copo de bebida, pois a alimentação traz os principais símbolos de cada festa.

Assim, vive-se um sentimento de pertença, de inclusão, de unidade, porque os participantes, a comunidade, expressam as mesmas devoções. E estes momentos agregam memórias dos sabores e dos paladares. Estas memórias das celebrações, das festas, das comidas, promovem encontros com os sentimentos mais fundantes que trazem ludicidade e devoção.

Nestes contextos da pandemia, quando as festas públicas estão nas lembranças das populações, uma das maneiras mais imediatas de trazer a celebração para a casa está na escolha das comidas, e, desse modo, pode-se viver um sentimento da celebração.

A comida aproxima a pessoa do sagrado e, ao mesmo tempo, dá continuidade à tradição; que é dinâmica, e possibilita realizar novas maneiras de celebração.

Na festa do Bonfim, em janeiro, vestir branco, preparar-se para as homenagens em casa, promover um almoço com comidas da mesa baiana do Recôncavo, faz uma conexão com a colina sagrada, com a festa de Largo. E assim: vatapá, caruru, feijão de azeite, moquecas, arroz e farofa de dendê; entre tantos outros pratos, unem a pessoa a festa, a fé e ao santo.

A festa do Bonfim é também a celebração de Oxalá, o orixá da criação do mundo e do homem, para os Iorubas. Tudo isto faz da festa uma maneira de viver o sagrado, e de conviver com as tradições, que são tão importantes para marcar os lugares sociais das pessoas. A festa é uma autorização simbólica que possibilita, pelas comidas e bebidas, a realização de um encontro com o sagrado.

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.