COLUNA RAUL LODY
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Para comer no prato do Santo

“Cosme e Damião

Vem comer teu caruru

Que é de todo ano

Fazer caruru pra tú

 

Cosme e Damião

O que é que quer comer

Peixe da maré

Com azeite de dendê

 

Cosme e Damião

A tua casa cheira

Cheira cravo cheira rosa

Cheira flor de laranjeira”

(Poesia popular da Bahia)

 

Quiabo e dendê formam a base ritual para as comidas dos santos Cosme e Damião, também interpretados no sincretismo como os Ibejis, gêmeos nas tradições da cultura ioruba.

Assim, unem-se os cultos religiosos dos santos da Igreja com os ancestrais divinizados dos ioruba, que trazem um sentido de fertilidade, de nascimento, de vida e de ancestralidade.

Esses sentidos são celebrados na forma de cardápios de base africana que são marcados pelo azeite de dendê, como: acarajé, abará, xinxim de galinha, feijão de azeite, entre outras. Também, essa festa de comer tem uma denominação geral que é caruru, caruru de Cosme, ou caruru dos Ibejis.

Ainda, quando o oferecimento ritual das comidas segue um conjunto de momentos hierarquizados, ele é chamado de caruru de preceito.  Estes carurus são realizados em rituais públicos, onde geralmente se começa com uma gamela de madeira com muito caruru de quiabo, e por cima farofa de dendê, legumes cozidos entre outras comidas. Então, a gamela é colocada numa esteira, ou numa toalha, sobre o chão; e na sequência são convidados sete meninos para comer, com as mãos, toda a comida da gamela. Os demais participantes dessa obrigação cantam e louvam os santos e os orixás. Após a refeição dos meninos, que representam os santos e os Ibejis, é servido o caruru para os participantes da festa.

No cardápio, além das comidas de azeite, há também roletes de cana, cocadas; milho branco cozido – ebô –; pipoca; e a bebida tradicional é o aluá feito de milho e rapadura.

Assim, nessa festa de comer, vive-se a devoção e a afirmação das identidades alimentares afro-baianas.

 

RAUL LODY

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.