COLUNA RAUL LODY
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O quiabo africano e o gosto afro-baiano

O quiabo, como o jiló, é um ingrediente cuja preferência e uso culinário é pessoal e passional. Quem gosta de quiabo tem que gostar da sua baba, porque quiabo sem baba não é quiabo. E assim também é com o jiló, com o seu “amargoso” inconfundível, senão não é jiló.

O quiabo é uma leguminosa muito popular que é o tema de inúmeras receitas, e as mais tradicionais sempre dizem: quiabo tem que ter baba. Particularmente, eu gosto muitíssimo da baba do quiabo.

A baba do quiabo é uma marca da leguminosa, e que caracteriza as suas receitas.  O quiabo faz parte da culinária do cotidiano e das festas da Bahia com as chamadas comidas moles.

Tanto o quiabo quanto o jiló vêm do continente africano, e consequentemente têm uma forte presença na mesa baiana. Tais como outros produtos africanos como: o azeite de dendê; o lelecum e o bejerecum para temperarem doces; o ataré ou pimenta da Costa, um tipo de pimenta seca.

O quiabo é também conhecido como quigombó, gombô, entre outros nomes em línguas africanas. O seu uso estende-se do Brasil ao Caribe, além de outras localidades com presença afrodescendente expressiva, como é o caso de Nova Orleans, Estados Unidos. 

O quiabo está no clássico caruru inundado de dendê; nas quiabadas enriquecidas com camarões defumados e embutidos; e estes pratos são normalmente acompanhadas de pirão de leite ou com muita farinha de mandioca. O quiabo também integra a receita do tão conhecido molho Nagô, importante complemento do acarajé e do abará.

Ainda, faz-se com o quiabo uma comida ritual muito semelhante ao caruru, que é o amalá, isso na tradição afro-brasileira, com muitos quiabos e pimentas. Todas essas receitas trazem uma comida com viscosidade, e a baba do quiabo caracteriza e dá identidade para esses pratos que podem ser acompanhados por arroz branco, acaçá branco, bolas de inhame; ou recoberto com farinha de mandioca.

O amalá é servido àqueles que frequentam, nas quartas-feiras, dia de Xangô, os candomblés da Bahia como, por exemplo, o Ilê Axé Opô Afonjá; e é nessa comensalidade que o sagrado também se manifesta. É a celebração da comida como uma homenagem a este orixá.

Adoro quando os quiabos estão bem verdes, novinhos, especialmente se foram escolhidos uma a um, conforme a maneira tradicional de se comprar, ou seja, quebrando a pontinha do quiabo.  Assim, verifica-se sua qualidade para que haja um bom desempenho da receita, e para que os preparos sejam saborosos, e os temperos possam imperar, pimentas frescas ou secas, gengibre, dendê, além dos camarões defumados, que nas receitas da Bahia funcionam como tempero.

A gastronomia tradicional de matriz africana é ampla e rica.  E se vive nos quiabos as delícias das comidas moles, com “baba”, porque cada ingrediente tem uma marca, um sentido visual que caracteriza cada receita. O quiabo é um tema da mesa da Bahia, e ele é tão marcante quanto o dendê, o camarão defumado, entre outros ingredientes que determinam estilos e linguagens culinárias que particularizam os rituais sociais da alimentação nas bases do que entende por etnoalimentação.

 

RAUL  LODY.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.