COLUNA RAUL LODY
  • Compartilhe:
A festa da sereia e as comidas do mar

São muitas as festas populares e tradicionais da Bahia. A maioria destas festas celebra o sagrado, e assim são preservadas muitas memórias, histórias; e expressões de música, de dança, de comida e de diferentes rituais.

Trago a tão tradicional festa de 2 de fevereiro, festa de Iemanjá, a rainha do mar, um orixá iorubá, que no Brasil ocupa o mar, todo o mar da Bahia. Para celebrar essa tão importante data, o povo da Bahia e, em especial, o da cidade do São Salvador, vai à praia do Rio Vermelho, onde se vivem os grandes rituais coletivos.

E para culminar a celebração, há o oferecimento dos presentes, são inúmeros balaios repletos de flores, fitas, perfumes, e demais representações que tragam um sentimento e uma estética feminina, para homenagear e lembrar a dona do mar.

Também, há o oferecimento de diferentes comidas que fazem parte do cardápio votivo e sagrado de Iemanjá, que são preparadas com todo o sentido cerimonial. São comidas à base de milho e temperadas com azeite de dendê, camarões entre outros; ainda há frutas diversas, e bebidas do tipo espumante, tudo isso compõem os presentes.

Ainda, segundo as tradições afro-baianas, há o oferecimento do obi, um fruto africano de amplo uso alimentar, e que se usa para marcar rituais religiosos.

Tanto as comidas quanto os obis integram os balaios com as demais ofertas, no amplo e diverso culto dedicado a Iemanjá, popularmente chamada de sereia, um personagem mítico, e que está em muitas tradições de diferentes culturas.

Neste imaginário, a sereia traduz um rico acervo simbólico do que é feminino, do que é sensual e ao mesmo tempo maternal. Porque Iemanjá é a mãe-peixe, a grande mãe, a mãe geradora do povo Iorubá, e por extensão do povo afro-baiano.

A sereia protege o mar, e aqueles que vivem no mar e que trabalham no mar, especialmente os pescadores. E assim há uma forte relação de fé religiosa, de devoção diária a sereia, para propiciar a boa pescaria e as maneiras de trazer das águas do mar o alimento, e tudo mais que possa marcar o trabalho do pescador. Por extensão, pode-se dizer que os muitos ingredientes que chegam do mar também simbolizam as mais profundas relações com comer o mar e assim comer também o sagrado nele representado.

Ainda, a mesa baiana traz as moquecas de peixe, de camarão, de bacalhau, de sururu, de ostra; a lambreta, as frigideiras, os ensopados; entre tantas outras maneiras de trazer as águas do mar para os sabores das tradições alimentares da Bahia.

Tudo isso é a festa de 2 de fevereiro, a festa que celebra o dia Iemanjá, a festa da sereia, a festa do mar, a festa do mar da Bahia.

 

RAUL LODY

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.