COLUNA RAUL LODY
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Soberania Alimentar

Nestes contextos econômicos e culturais que fazem o distanciamento social mostram retratos das possibilidades e das opções de comer e ainda, em destaque, para as dramáticas questões econômicas, da crescente insegurança alimentar. E assim a comida é observada sob muitas e diferentes formas e tendências em confrontos sociais que se revelam em um mundo que busca sobreviver.

É crescente o valor de um prato de comida para alimentar, para saciar a fome. Contudo, comida é muito além de um processo culinário, ou a realização de uma receita. Porque em cada comida   estão muitos elementos sensíveis de comunicação e de representação social e pessoal.

Há um encontro entre a comida e a pessoa, na identificação, nas qualidades em cor, cheiro, forma e na ativação das referências culturais nos paladares. Ainda comer certas comidas em grupo fazem o sentido de existir a própria comida, pois além de alimentar ela, comida significa, une, reforça laços sociais. 

  Quando estes rituais da comensalidade são intermediados por um smart fone, por exemplo, pergunto se estes processos digitais irão promover novos olhares e sentimentos diante de cada ingrediente. . E ainda qual será a   emoção e o sentimento de pertença diante de uma comida que é parcial nos seus significados, nas suas representações de consumo partilhado e socializado.

As interações diante de um prato de comida ou mesmo estar `a mesa promove tantas possibilidades socializadoras, que trazem memórias pessoais, familiares, da comunidade, e memórias  ancestrais e fundadoras para o grupo.

Não é apenas o ato social de comer que está sendo revisto nestes contextos do isolamento social´ é   também a relação nas escolhas do que comer e onde adquirir É, revendo também os lugares do consumo e todos os rituais sociais agregados nas escolhas , nas especialidades de cada produto, nas  ofertas, e assim podemos chegar a um sentido de “coisificação “ da comida e com certeza dos ingredientes

Ir a um mercado popular, feira ou outro lugar de acesso aos ingredientes, exceto as grandes redes de supermercados, é um ato interativo e de escolha participativa para ter acesso aos produtos.

Porque não é apenas consumir é interagir com cada produto, é estabelecer sentidos de consumo e de identidade pessoal e de grupo social. É um consumo que toca na autoestima, no direito de preservar uma soberania alimentar

 É comum provar a fruta, o queijo, cheirar, tocar, observar cor, textura e outras características de cada produto pelos contatos sensoriais, e isto sem dúvida é um processo peculiar de cada cultura e assim as escolhas são humanizadas.

Sem dúvida a cozinha   começa no mercado, na ação que busca de referência, tipologia, função para cada ingrediente, num verdadeiro texto icnográfico que é efêmero, porque tudo irá para  a  panela, para outros processos de transformar e assim dar sentido a comida. Creio, ainda que a comida é um poderoso texto iconográfico, um elemento de comunicação visual orientador para o próprio consumo.

Porque consumir é um registro cultural e econômico, além, de ser um registro da sazonalidade, das colheitas, das épocas especiais dos ingredientes que determinam os hábitos alimentares do cotidiano, das receitas para as celebrações a religiosas, das festas, ou mesmo nas maneiras mais sensíveis de viver comensalidades, no oferecimento de um copo de água, um café, um pedaço de bolo, entre tantos .E nestes momentos a pessoa vive a sua  história, o seu sentido de inclusão e de transmissão dos costumes

Todos aguardamos pela retomada das muitas formas de se comercializar ingredientes e comidas na diversidade e na pluralidade das escolhas do que comer, onde comer e com quem comer.

E assim vê-se o poder da comida que singulariza, mostra a pessoa, e de viver a comida como um sentimento de estima, de lugar social e  de alteridade.

RAUL LODY.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.