COLUNA RAUL LODY
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Mingau de Santo Antônio

Por tradição qualifica-se o mingau como uma comida pastosa, ou como é popularmente chamada: “comida mole”. Contudo, o mingau deve ser consistente, e principalmente ser servido quente.

Mingau bom é aquele que tem a textura próxima ao nosso tão querido pirão, ou do angu, que é seu “parente” culinário.  O mingau é uma comida para reconfortar o corpo e o espírito. Ele alimenta, dá saciedade, aquele sentimento de estar bem alimentado ou pleno.

É costume que o mingau seja uma comida matinal; uma comida para começar o dia; uma comida que tem “sustança”, que cumpre o conceito do bem alimentar-se.

Na Bahia, Recôncavo, é comum se ver os vendedores de mingau, pela manhã, oferecendo os tradicionais mingaus: de carimã; de milho vermelho; de mungunzá ou o mungunzá de beber, que é feito com o milho branco. Normalmente a base do é mingau o leite de gado vacum, o leite de coco e açúcar; e é   consumido  com canela polvilhada por cima. 

Ainda, o acaçá de leite e a bola de arroz cozido – ajojó – podem ser diluídos na  água e acrescidos de açúcar ou mel para se tornarem bebidas  grossas, que consagradamente são nutritivas e   resultam em novos  tipos de mingau.

O mingau é uma comida da casa; é comida de rua; e quando de rua,  trago novamente  o caso  da Bahia, é uma comida oferecida em panelões de alumínio, muito bem areados, e recobertos com panos alvíssimos que são os distintivos de higiene e do cuidado culinário.  É venda ambulante, ou em “pontos”  já conhecidos, como, aliás, ocorre com os tabuleiros de acarajé.

Outro caso, de tipo de mingau, é o do xibé ou caribé, que é uma bebida “grossa” e a sua base é farinha de mandioca, água e açúcar;  sendo um tipo de mingau “mata fome”. Muitas vezes é o único alimento do dia para muitas pessoas.

O xibé passa a ser  também, na maioria das vezes, a  única opção para se alimentar crianças, servindo como um substituto para o leite ou outro alimento mais nutritivo. Pode-se interpretar essa, como tantas outras receitas das chamadas comidas “moles”, como uma fusão de textura, estética e sabor, deste mingau-pirão-angu que tem na farinha de mandioca o seu principal ingrediente.

Nesse contexto, cito o popular “mingau de cachorro”, que é uma comida feita para se recuperar ou restaurar a energia do corpo.  A receita mais conhecida é feita com: água, farinha de mandioca, alho, pimenta do reino e sal. Ele deve ser consumido bem quente. Pode-se dizer também que é um tipo de pirão. Esse é outro exemplo de comida mole que integra a dieta alimentar de milhares de brasileiros.

Na Bahia, o mingau de cachorro é também conhecido como mingau de Santo Antônio, sendo este, entre tantos outros mingaus que mantém as receitas tradicionais da Bahia, que traz as referencias de matriz do norte do continente africano – Magreb –; quando passam a adicionar a água de rosas ou água de flor de laranjeiras à receita.

O mingau de Santo Antônio é uma comida  que agrega a imagem de um santo que está profundamente unido à comida, pela multiplicação dos peixes e dos pães.

Assim, é Santo Antônio que traz no seu imaginário popular o santo que assume o papel de alimentar o corpo, e principalmente de alimentar o espírito.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.