COLUNA RAUL LODY
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ÒPÒ ÀGBÀDÓ – A fartura do milho

Òpò àgbàdó é uma proposta de interpretação culinária feita a partir de um prato ritual do orixá Oxóssi chamado de axoxô, cuja base é o milho vermelho e fatias de coco. Destaque para o milho, que é um importante ingrediente simbólico para Oxóssi, o orixá Caçador, que também é um orixá provedor dos alimentos.

O milho é um alimento latino-americano de consumo milenar, e que representa na sua trajetória histórica o Sol, o ouro; e, a fartura que marcada pela multiplicidade dos grãos da espiga de milho. Estes conteúdos simbólicos permanecem nas muitas relações multiculturais de base latino-americana, e das múltiplas relações afro-diaspórica com os ingredientes nativos.

O coco é um outro elemento marcante da comida ritual de Oxóssi, na receita do axoxô. Ele é um ingrediente proveniente da Ásia, e que se integra em muitos sistemas alimentares no Brasil. Também compõe muitas das receitas do ambiente sagrado afro-diaspórico para o preparo de comidas rituais que serão oferecidas aos orixás; e para as pessoas que participam desses rituais e das festas.

Vê-se, então, que a comida-símbolo de Oxóssi, o axoxô, é formada por ingredientes que não fazem parte do terroir africano, ingredientes que surgem do processo das múltiplas relações entre povos e culturas do continente africano na sua expansão Americana e, em especial, no Brasil.

Embora sejam americana e asiática a base da construção do axoxô, esta comida consagra-se como africana ou afro-diaspórica nos muitos processos de expansão e de continuidade das matrizes africanas na civilização brasileira, são processos criativos que relacionam estilo, identidade e funções míticas de cada orixá.

 

 

Assim, este prato apresentado, que é uma homenagem ao orixá Oxóssi, orixá da antológica ialorixá Stella Azevedo, Stella de Oxóssi, traz elementos que marcam as comidas rituais tradicionais de matriz africana.

Esta interpretação gastronômica nasce em virtude da participação Museu da Gastronomia Baiana no evento Flipelô / 2023, cuja homenageada é a Ialorixá Stella de Oxóssi. O sentido da representação de um prato criado neste contexto é o de trazer referências e símbolos que possam se conectar com as formas de identificar o orixá Oxóssi através da comida.

Neste campo de significados rituais, vê-se Oxóssi como o caçador, numa alusão ampla a sua função de provedor de alimentos, onde a caça é um marco de recuperação de tudo que a natureza possa oferecer para o homem comer; aí se incluem todos os demais alimentos da agricultura, do pastoreio, da pesca, dentre outros.

O òpó àgbàdó é um prato conceitual e que busca recuperar os imaginários e os significados a partir dos ingredientes, e das suas composições nas receitas tradicionais; que, nesse caso específico, é uma receita de interpretação condicionada aos elementos identitários do orixá Oxóssi.

Interpreta-se uma conquista de equilíbrio e de preservação da natureza pela escolha e pelo manejo do que é cassado, do que é coletado; ou mesmo do que é procedente de técnicas agrícolas e da pesca.

Òpò àgbàdò não é apenas uma receita, não é apenas de uma organização de ingredientes que busca um resultado de sabor, é muito mais que isso; é um exercício cultural integrado aos valores de um olhar que nasce da antropologia da alimentação, e que é norteador das ações dinâmicas que fazem parte do Museu da Gastronomia Baiana.

Assim. Esse é um prato criado para trazer muitos significados, além dos muitos sabores, que integram a receita criada pelo instrutor Tiago  Brandão que faz parte do grupo de profissionais de gastronomia do Senac Pelourinho, e certamente do Museu da Gastronomia Baiana.

 

Na receita proposta temos: tomate cereja que é uma fruta; Champion, um cogumelo; o milho verde, que representa a diversidade do milho; o queijo parmesão  e o requeijão cremoso que traz o  leite da pecuária,  e o artesanato do queijo; a azeitona que traz o mundo Mediterrâneo;  o crouton  que traz a agricultura  do trigo; o melaço de cana que evoca o ciclo açucareiro no Nordeste; e, o coco,  uma fruta tão presente nos muitos preparos da gastronomia regional do nordeste e, sem dúvida,  na culinária baiana.

Tudo isto reforça os significados que cada comida tem nos seus ambientes identitários da religiosidade e das festas e do cotidiano. Porque   comer é um ato simbólico.

 

 

RAUL LODY

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.