COLUNA RAUL LODY
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Frutos do Mar na Sexta-feira Santa na Bahia

Cada festa, cada celebração, traz os temas para os seus cardápios que são identificados pela seleção dos ingredientes, e certamente pelos seus sabores e seus significados. As celebrações à mesa também trazem as interdições alimentares que fazem parte de um conjunto simbólico de comidas e das bebidas que não fazem parte da festa. 

As comidas permitidas que marcam a celebração funcionam como elementos de unidade e de interação, pois quando comemos a mesma comida e bebemos a mesma bebida nós nos aproximamos uns dos outros, criamos elos morais e éticos durante a partilha dos mesmos sabores.

Também, os cardápios são orientados por questões religiosas que buscam nos ingredientes, nas comidas e nos rituais do oferecimento à mesa, os temas que possibilitem unidade social e cultural durante a comensalidade.

Acontece que muitos calendários populares e tradicionais são geralmente organizados a partir de datas e temas religiosos, e que são celebrados por comidas especiais, tanto em cerimônias públicas quanto em cerimônias privadas.

Desse momo, é a comida um elemento fundante da identidade de muitas manifestações religiosas, e que determinam muitos dos comportamentos nas nossas relações sociais.

O ciclo social e religioso da Semana Santa é culminado na sexta-feira, dia chamado como a Paixão de Cristo; e essa lembrança se dá à mesa com a realização de cardápios à base de peixes, especialmente o bacalhau, entre outras opções do mar, quase sempre acompanhados de azeite de dendê. Aliás os baianos referem-se a este cardápio como de comidas de azeite.

            Reuniões à mesa promovem a feitura de pratos variados, e orientados pelo explícito tabu alimentar da não ingestão de carne vermelha, daí o hábito consagrado de comer peixes da Sexta-Feira Santa. E isto se amplia para fora deste calendário, e passa a marcar a sexta-feira como um dia dedicado aos ingredientes do mar.

            E, em virtude das reuniões familiares, geralmente há um cuidado todo especial nos cardápios para que sejam relembradas as receitas, e que sejam revividos os pratos populares e tradicionais da região.

            Assim, peixe ao coco, sururu ao coco, arroz e feijão de leite, diga-se leite de coco; vatapá, ensopados de camarão e ostras, escaldado de peixe, frigideira de camarão; frigideira de siri, bobó de camarão, arroz de camarão, moqueca de siri mole; pirão; bacalhau feito de diferentes maneiras; marcam este ciclo religioso cristão que culmina no domingo de Páscoa.

 

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.