COLUNA RAUL LODY
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Rua, um lugar de comer

 

            Tradicionais no cotidiano de muitas cidades brasileiras são as comidas de rua. Feitas e servidas em praças, esquinas, adros, entre outros pontos que marcam a geografia dos bairros, como as áreas históricas e as portuárias, as feiras, os mercados, os monumentos, os parques, os jardins; e lugares de interesse que revelam as identidades de pessoas, de sociedades, de segmentos profissionais e étnicos, e todas essas coisas juntas compõem os imaginários urbanos.

Há também as comidas de rua que acompanham os ciclos festivos, e algumas são especiais; já outras são repetidas nos cardápios experimentados nos rituais das manhãs, como os mingaus de carimã, de milho; o mungunzá; ou os dos finais de tarde, como o acarajé, o abará; o tacacá; a tapioca; entre muitas outras receitas.

            As comidas de rua também revelam os comportamentos daqueles que manipulam os alimentos e daqueles que o consomem, pois vivenciar os hábitos alimentares e uma forma de demonstrar sociabilidades, pertencimento a um grupo, além de trazer fortes significados que vão além do nutricional e do lúdico.

            Comer de pé, na rua, é estabelecer relações com a comida que está integrada a um espaço urbano específico. Muitas das comidas de rua atestam antigos costumes coloniais, como os ganhos de mulheres e de homens em condição escrava que vendiam comidas no Brasil colonial e imperial, constrói-se, assim, um verdadeiro sistema alimentar das cidades.

Esses ofícios trazem, ainda, receitas, posturas, uso de utensílios, tais como: tabuleiro fixo, tabuleiro ambulante, pote de barro, objetos em folha-de-flandres, caixas de madeira, gamelas, cestos, cuias (cabaças), isopor; carrinho de madeira e de materiais reciclados; e tudo isso funciona como um tipo de identificador de venda, seja de comida ou de bebida. Assim, as comidas de rua revelam muitos aspectos das cidades, das suas populações, dos seus patrimônios alimentares e das suas identidades.

 

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.