As festas populares, especialmente aquelas chamadas de festas de Largo, que se realizam nos largos ou nos adros das igrejas, tradicionalmente reúnem muitas comidas de rua, no caso baiano, muitos tabuleiros de acarajé e de outras comidas tradicionais como: abará, bolinho de estudante, cocadas; entre outras. Também, nas festas de Largo haviam os restaurantes populares itinerantes que acompanhavam o seu circuito, como nas festas da Conceição da Praia e de 2 de fevereiro.
Assim, trago aqui algumas observações etnográficas realizadas por Manuel Querino, no final do século XIX e início do XX, que mostram as tradições das festas da lavagem de Nosso Senhor do Bonfim, na cidade do Salvador.
Querino destaca os cortejos com as carroças, os aguadeiros, que transportavam a quantidade de água usada nos rituais da lavagem da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Essa tradição acontecia, anteriormente, dentro da igreja, em rituais que traziam as memórias das matrizes africanas unidas as diferentes formas de interpretar e de manifestar religiosidade católica à moda afro-baiana.
“A água
O transporte da água
Para a lavagem
Carros com folhas de pitangueira
Aguadeiros.”
(poesia popular)
Essas tradições religiosas, especialmente feminina, traziam muitas devoções. As mulheres que participavam destes rituais trajavam roupas especiais, roupas de festa, como diz Querino:
“Despertava logo a atenção de quem chegava ao largo o grupo de raparigas, que, alegres e saltitantes, destacam ver o colo, através de finíssimas camisas abertas em bordados, bonitos xales em tuquim, panos da Costa de seda, representando a aristocracia do torço e das chinelinhas bordadas a ouro (...).”
Também, comer nas festas, e marcar as festas pelas comidas e bebidas, é uma importante referência da identidade dessas festas. Nas casas, ao redor da igreja de Nosso Senhor do Bonfim, até hoje, há o costume e a tradição das famílias realizarem almoços, grandes banquetas à base de dendê, especialmente com pratos como: caruru, vatapá, frigideiras e moquecas; e muita cerveja e vinho, além de outras bebidas.
Ainda, Querino traz algumas poesias populares que mostram a importância da comida nestas celebrações de religiosidade popular:
“Filha da terra da moqueca ardente,
Que faz a gente se inflamar, arder,
Sempre de grandes candomblés na pista,
Forte sambista, festiva mulher.”
Nas festas de Largo, o samba de roda marca as celebrações religiosas mais populares da cidade do São Salvador, tanto quanto algumas rodas de capoeira.
“Se eu achasse venda aberta,
Que vendesse aguardente,
Que tivesse pouca gente,
Eu queria beber.”
(poesia popular)
Sem dúvida, comer, beber e dançar são também formas ritualizadas de louvar, de aproximar o sagrado da pessoa, de viver o sagrado através do próprio corpo. E esse é o sagrado ampliado no olhar das matrizes africanas.
Raul Lody