COLUNA RAUL LODY
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Caboclo: o mito herói brasileiro

Sem dúvida, os mitos acontecem para justificar e apontar questões sociais, históricas relacionadas aos aspectos culturais locais e principalmente com o objetivo de transmitir ensinamentos, para tocar em diferentes formas de valorizar ora o meio ambiente, ora as sabedorias acumuladas pelas diferentes tradições, ora para afirmar pertencimento aos muitos e diferentes papéis sociais que as pessoas desempenham no ambiente de seu grupo, da sua comunidade da sua sociedade.

Sem dúvida, os diferentes processos civilizatórios nas suas mais distintas maneiras de interpretar os povos originários, os povos ancestrais, genericamente chamados de indígenas no Brasil, índios, trazem sempre questões telúricas, em relacionamentos profundos entre estas populações e a natureza, mostrando também diferentes formas de manifestar e de representar diversidade de povos nativos pelas suas não menos diversas identidades marcadas nas relações entre o homem e o seu meio ambiente.

No caso da Bahia há destaque  para a figura do caboclo que traz todos os imaginários e interpretações sobre o índio brasileiro, que é sacralizado no amplo e complexo entendimento de ancestral do Terra . E assim para os muitos segmentos de matrizes africanas, este valor da ancestralidade é firmada e valorizada no âmbito do entendimento sagrado juntamente com os orixás, voduns e inquices.

Assim, tudo que é da Terra, da Terra brasileira, constrói o sentimento sagrado sobre o caboco. E essas expressões da identidade sagrada são fortalecidas pelas comidas e bebidas. Comidas e bebidas da terra, brasileiras, de terroir baiano.

Há uma busca nos rituais dos caboclos de um intenso brasileirismo em olhares afro diaspóricos, nas afirmações de que o caboclo sintetiza o que é brasileiro.

Por isso: caboclo não come dendê, caboclo come as muitas frutas nativas, interpretadas enquanto brasileiras ,e o mito se apresenta marcado nas cores verde e amarela, cores brasileiras.

Há um entendimento de Brasil no olhar das matrizes africanas, em muitos e diferentes processos de viver o sagrado e de realizar rituais que afirmem o sentimento de quem é o caboclo, de quem é baianamente o caboclo.

 

RAUL LODY.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.