COLUNA RAUL LODY
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A MULHER QUE DOMINA O AXÉ DA BOCA

No terreiro, no candomblé, há um entendimento de que “tudo” come. O chão come, as árvores sagradas comem, os atabaques comem, os assentamentos dos orixás comem; e tudo mais que tenha a função e o sentido para ser sacralizado terá um tipo de ingrediente, de preparo; terá uma receita para cada ritual especifico.

  A comida é uma complexa realização visual, estética e simbólica. Também o ato de comer significa que se une o ato sagrado de se alimentar ao direito da soberania alimentar.   

   A alimentação cria unidade e preserva o axé, além de orientar a vida dos membros dos terreiros, ela dá identidade e singulariza os calendários das obrigações religiosas de caráter “interno”, restritos à comunidade do terreiro; como também das celebrações públicas, onde, sempre, as comidas têm um forte sentido socializador.

 Assim, as pessoas responsáveis pelas cozinhas devem passar pela iniciação religiosa, e como se diz nos terreiros: é preciso também ter “mão de cozinha”, ter vocação para a cozinha.

  . Então, realiza-se a iniciação da iábassé, que desta maneira vai começar a experimentar um longo processo de aprendizado dos conhecimentos religiosos que são transmitidos pelos diferentes membros do terreiro.   

   Fazer a comida é uma ação diária que estabelece diálogos entre homem e o sagrado, e se relaciona com as formas rituais para o oferecimento, por exemplo, de um acarajé para Iansã, de um prato de ebô para Oxalá, que deve seguir os preceitos que mostram diferentes aspectos sobre quantidade, tipos de utensílios, e demais temas rituais que estão integrados ao oferecimento de cada comida.

   Muitos cardápios africanos são mantidos porque os terreiros vivem os seus sabores na vida diária e nas festas, e assim preservam este patrimônio alimentar que faz parte também da vida de todos os brasileiros.

 

RAUL LODY.

 

 

 

 

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.