No terreiro, no candomblé, há um entendimento de que “tudo” come. O chão come, as árvores sagradas comem, os atabaques comem, os assentamentos dos orixás comem; e tudo mais que tenha a função e o sentido para ser sacralizado terá um tipo de ingrediente, de preparo; terá uma receita para cada ritual especifico.
A comida é uma complexa realização visual, estética e simbólica. Também o ato de comer significa que se une o ato sagrado de se alimentar ao direito da soberania alimentar.
A alimentação cria unidade e preserva o axé, além de orientar a vida dos membros dos terreiros, ela dá identidade e singulariza os calendários das obrigações religiosas de caráter “interno”, restritos à comunidade do terreiro; como também das celebrações públicas, onde, sempre, as comidas têm um forte sentido socializador.
Assim, as pessoas responsáveis pelas cozinhas devem passar pela iniciação religiosa, e como se diz nos terreiros: é preciso também ter “mão de cozinha”, ter vocação para a cozinha.
. Então, realiza-se a iniciação da iábassé, que desta maneira vai começar a experimentar um longo processo de aprendizado dos conhecimentos religiosos que são transmitidos pelos diferentes membros do terreiro.
Fazer a comida é uma ação diária que estabelece diálogos entre homem e o sagrado, e se relaciona com as formas rituais para o oferecimento, por exemplo, de um acarajé para Iansã, de um prato de ebô para Oxalá, que deve seguir os preceitos que mostram diferentes aspectos sobre quantidade, tipos de utensílios, e demais temas rituais que estão integrados ao oferecimento de cada comida.
Muitos cardápios africanos são mantidos porque os terreiros vivem os seus sabores na vida diária e nas festas, e assim preservam este patrimônio alimentar que faz parte também da vida de todos os brasileiros.
RAUL LODY.