COLUNA RAUL LODY
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Comer é um ato ideológico

O ato ancestral de comer agrega desde o direito à alimentação até a soberania alimentar. E cada comida é uma referência cultural que localiza diferentes sistemas alimentares, ingredientes, técnicas e processos culinários e, em especial, os preparos que indicam um ritual de alimentação para o cotidiano ou a festa.

A partir dessas experiências vive-se um forte sentido simbólico que está presente em cada cor, forma e textura de uma comida. E as maneiras de se relacionar com a comida marcam as referências sobre uma pessoa, uma família, uma região, uma etnia e uma civilização.

Quando se escolhe um ingrediente, deve-se respeita-lo naquilo que ele traz de história e de mitologia, e também os inúmeros significados culturais, ecológicos, sociais e gastronômicos que ele revela.

Por exemplo, diante do azeite de dendê, o baiano do Recôncavo se reconhece enquanto pertencente a um sistema alimentar formado por bases etnoculturais de matriz africana. O ingrediente marca e fundamenta o que se come e a maneira de comer; e isso é ter identidade, ter alteridade.

Há uma intenção ideológica em cada comida, em cada escolha de ingrediente, tempero, utilitário para fazer e para servir a comida. E ainda na maneira de se relacionar com o sabor e o símbolo que faz parte de cada prato; pois comer é uma maneira de se localizar em uma tradição.

Assim, escolher uma comida não é apenas contextual, escolhe-se uma ideologia; e, dessa maneira, come-se a história, a natureza, o sagrado, as hierarquias sociais, e todos os outros elementos que fazem parte da construção de um patrimônio alimentar.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.