COLUNA RAUL LODY
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A “boa” cachaça, tão brasileira e tão baiana

Referência de produto da “terra”, aquele que atesta a identidade de um território, e também as suas diferentes técnicas de fabricação com as suas marcas de identidade e de pertença a uma região, a uma tradição, a um povo, a uma cultura; a nossa tão celebrada cachaça é uma das bebidas mais patrimoniais do nosso sistema alimentar, ela faz parte do sabor brasileiro.

A cachaça está presente no trajeto histórico, social e econômico, desde o amplo e diverso momento de implantação formal da colonização no nosso território pelas mãos do homem lusitano. E isto se confirma através da civilização do açúcar.

Assim, para fazer o caldo, o melado, a rapadura, o açúcar e a cachaça, a partir da cana sacarina nas “plantations”, nos engenhos, a cana de açúcar faz parte das nossas bases alimentares. E, em destaque, o açúcar que se valoriza na doçaria pela preferência do nosso paladar pelo sabor doce, ou muito doce, passa a representar interpretações gastronômicas unidas ao sentimento de alteridade. 

Já abrasileiradas e presente em diferentes regiões do Brasil, os processos de viver a cana de açúcar nas suas diferentes dimensões nos mercados de consumo, ela está na formação de hábitos alimentares, e faz parte dos cardápios de comidas e bebidas; e tudo isto se dá destacadamente no Nordeste e, em especial, no Recôncavo da Bahia.

Pode-se dizer que diversidade de cardápios e de bebidas artesanais, como o aluá – feito de rapadura, milho e gengibre –, os licores artesanais de frutas, trazem a marca do açúcar, tanto no sabor doce quanto na produção das tão autorais marcas de cachaças, que cada vez mais estão presentes na harmonização das comidas.

E neste necessário processo de valorização e de integração destes princípios e referências de matrizes multiculturais a cana de açúcar, aclimatada na Índia, no que se refere à plantio e às espécies; e os processos de moagem e fabrico do açúcar se dá na Ilha da Madeira, na área Atlântica de Portugal.

A interpretação deste ingrediente, a cana de açúcar, na nossa tão rica e autoral mesa baiana oferece essa bebida patrimonial, a nossa cachaça, que se une aos mais importantes símbolos do imaginário baiano, como o dendê, o coco, as pimentas; além de muitas receitas à base de mandioca, de inhame, de quiabo, de milho; de frutas nativas; que afirmam a identidade de acervos para comer e beber que fazem parte desta tão plural e multicultural Bahia.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.