COLUNA RAUL LODY
  • Compartilhe:
Os pirões de Angola e da Bahia

São muitas as Áfricas que fazem parte da cultura baiana: África das Costas Ocidental e Oriental; África Austral; e os povos da África Mediterrânea, o Magrebe.

Toda essa gama de multiculturalidade de centenas de povos está presente na Bahia e, em especial, no Recôncavo com diferentes permanências de idiomas, de músicas, de danças, de técnicas artesanais, de mitologias, de religiosidades e de receitas. Assim, muitos e amplos cardápios de comidas fazem da Bahia um dos territórios mais africanos no Brasil.

No cenário da história e da sociedade, é fundamental destacar a civilização Bantu, povo da África austral ou centro-atlântica, onde se localizam Angola, República do Congo, Tanzânia, Zimbábue, África do Sul, Moçambique, entre outros países.  Ainda, o povo Bantu é reconhecido por ter vários idiomas e dialetos, são mais de quatrocentos grupos étnicos. Esta verdadeira civilização de povos e de culturas do grupo Bantu marca a formação dos brasileiros por agregar um rico patrimônio cultural que expressa a nossa identidade de povo e de Nação.

Tão nacional, tão brasileira, são as manifestações  da capoeira; do samba na sua versão de “roda”; das tradições das irmandades católicas que reuniam contingentes de africanos Bantu, chegados de Angola e do Congo, com as devoções a Nossa Senhora do Rosário e a São Benedito; dos candomblés das Nações Angola, Congo e Muxicongo, com o culto aos inquices; e as maneiras de fazer comida, semelhantes nos dois lados do Atlântico.

Em Angola, os sistemas alimentares se formam a partir da mandioca que foi introduzida pelos portugueses, assim como a rapadura, a cachaça, entre outros. No Brasil, os quiabos, as pimentas, e os muitos usos do dendê, trazem uma África à boca através das receitas, das estéticas das comidas, dos sabores; e pelo acréscimo de novos ingredientes que passam a fazer parte da formação de nossos hábitos alimentares.

São clássicas as receitas angolanas com o uso de produtos derivados da mandioca: cação à moda do quimbundo com fuba de mandioca; calulu de peixe com mandioca cozida; muzongué com mandioca cozida; quibebe com mandioca cozida; quixiluanda com farinha de mandioca; sacafolha com folhas de mandioca; funje de rabo de boi com fuba de mandioca; ginquinga com fubá de mandioca; funje de mandioca ou funje de bombó com fuba de mandioca; quitandê com farinha de mandioca; entre tantas outras.

Na Bahia, os pirões são feitos com diferentes texturas de farinha de mandioca. A mistura clássica de farinha, água e sal, pode-se acrescentar os caldos de peixe, os caldos de cozidos com carnes e legumes; e, também, o pirão de leite que acompanha a moqueca de pititinga.

Tudo isso mostra os muitos usos da farinha de mandioca nas nossas receitas. A mandioca, pode-se dizer, é um dos alimentos mais nacionais do Brasil e de Angola.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.