COLUNA RAUL LODY
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O acarajé e a técnica da “pedra de ralar”. Um clássico em Manuel Querino.

O acarajé ganhou reconhecimento e passou a ser a primeira comida a ser Patrimônio Nacional. Isto se dá a partir dos processos/técnicas culinárias artesanais e dos significados sociais e religiosos que este bolinho de feijão frito no azeite de dendê tem para as matrizes africanas na Bahia.

Dentre as técnicas culinárias que valorizam a o fazer artesanal do acará – bolo –, Querino mostra na sua obra o uso do pilão lítico popularmente chamado de “pedra” ou “pedra de acarajé”, que possibilita moer o feijão fradinho; e também, moer pimentas e camarões; uma técnica culinária tradicional.

Diz Querino: “ A pedra de ralar, como geralmente lhe chamam, mede cinquenta centímetros de comprimento e vinte e três de largura, tendo cerca de dez centímetros de altura. A face plana em vez de lisa, é ligeiramente picada por canteiro, de modo a torna-la porosa ou crespa. Um rolo de forma cilíndrica da mesma pedra de cerca de trinta centímetros de comprimento apresenta toda a superfície também áspera. Este rolo impelido para a frente e para a trás, sobre a pedra, na atitude de quem mói, tritura facilmente, o milho, o feijão, o arroz. Estes apetrechos africanos são geralmente conhecidos na Bahia e muita gente os prefere às máquinas de moer cereais. ” (A Arte Culinária da Bahia. WMF Martins Fontes, 2011. Org. e notas: Raul Lody. Pg. 35). Neste contexto, está o ofício das baianas de tabuleiro com as vendas de acarajé. E nos terreiros de candomblé esta comida é um emblema de Oyá, orixá que ensinou as mulheres a fazerem o “acará” para comercializarem nos mercados, e com isto terem autonomia.

Assim, a descrição etnográfica da “pedra de ralar” de Querino manifesta o seu olhar patrimonial sobre uma técnica culinária, visto que o fazer artesanal da comida determina não apenas sua forma e sabor, mas também o seu valor cultural.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.