COLUNA RAUL LODY
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As receitas africanas de Manuel Querino 1: “Massa”

A melhor maneira de preservar uma comida é realizando-a, é experimentá-la, é viver a receita na cozinha. Assim, mantem-se os ingredientes tradicionais, os processos culinários e o entendimento do cardápio, pois cada preparo tem uma correlação com outros preparos. A comida é, antes de tudo, um longo e complexo processo de harmonização de sabores e de significados.

A memória tem fundamento quando é buscada no seu mais profundo sentido de uso e representação social e cultural. E assim que acontece com a comida que é recuperada pela memória de Querino, que mostra uma Bahia de acervos culinários africanos que foi presenciada por ele, e que certamente fazia parte dos seus hábitos alimentares.

Entre essas receitas, trago uma comida conhecida como “massa”. Diz Querino: “Rala-se o arroz, cozinha-se e formam-se pequenas bolas que se envolvem em polvilho de arroz. São também refrigerantes dissolvidas em água com açúcar. O preto muçulmano, porém, frigia essas bolas no azeite de cheiro, ou no mel de abelhas, constituindo esta iguaria verdadeira preciosidade nas suas cerimônias religiosas. ” (A arte culinária da Bahia. WMF Martins Fontes, 2011. Org. e notas: Raul Lody).

Essas bolas sem tempero funcionam como o acaçá branco, feito de milho branco, e que acompanha comidas condimentadas como: caruru, vatapá, xinxim de galinha, entre outras. Quanto ao refresco, devia ser do tipo do “afurá”, que é feito com acaçá branco diluído em água e açúcar. A massa é também uma maneira para se preparar uma bebida para o calor, no sentido de uma bebida artesanal, do tipo onde está também o “aluá de milho”, por exemplo.

Certamente Querino traz estas referências, e tantas outras, da sua vivência na cidade do São Salvador, com o desejo de ampliar olhar sobre os sistemas alimentares de base africana na Bahia.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.