COLUNA RAUL LODY
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Quartinhão: uma louça da Bahia para guardar água.

As cozinhas tradicionais, enquanto espaços de memória e de reinvenção, são referenciadas por diferentes implementos e objetos que possibilitam a transformação dos ingredientes; e com eles são realizadas as técnicas culinárias artesanais.

Essas técnicas são formas de se repetirem receitas que marcam os cardápios do cotidiano e das festas; e, desse modo, preservam a estética e o sabor da comida de determinados lugares.  E cada comida tem uma imagem, e seu reconhecimento pode se dar pela cor, pela textura e pelo odor, e ainda o seu consumo vem agregado de símbolos culturais.

E os utensílios que fazem parte das cozinhas artesanais são tradutores de uma sabedoria fundamental para que os ingredientes sejam processados e servidos como uma comida que traz um entendimento gastronômico repleto de valores patrimoniais.

Os objetos de uma cozinha não são apenas utensílios ou suportes materiais para a realização de preparos culinários. Eles são peças integradas à realização de cada prato, e revela as maneiras singulares do preparo de cada comida.

Trago, agora, o caso da conhecida louça da Bahia. São diferentes procedências e, um especial, há uma grande produção em Maragogipinho, Recôncavo da Bahia.

Maragogipinho é um importante polo de comércio de utilitários de barro, e produz muitas peças vidradas; pintadas com Tauá – pigmento natural da argila –, ou com pigmentos industriais; as louças apresentam ainda outros elementos decorativos como relevos; e há diferentes técnicas de produção que revelam a inventiva desta comunidade de oleiros.

Nas muitas e variadas louças de barro da Bahia vê-se um conjunto, uma família de objetos que é formada por quartinhas, quartas e quartinhões, utilitários que servem para guardar quantidades específicas de água. Por exemplo, os quartinhões são os maiores utilitários dessa família; este utilitário é também conhecido como talha, porrão ou pote, e tem a capacidade de conter cerca de 20 litros de água.

Esses objetos utilitários, quartinha, quarta e quartinhão, chegam das olarias artesanais e repetem os modelos ibero-mouro; e assim preservam as formas milenares e estilos na técnica de modelar.  Tudo isto enriquece a estética e a funcionalidade da tradicional mesa da Bahia.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.