Sem dúvida, o século XXI é marcado por diferentes maneiras de ver, e de se entender comida, nos seus muitos processos produtivos e das muitas interpretações sociais e econômicas. Nestes cenários, tanto a globalização quanto as cozinhas regionais de povos, de grupos étnicos e de civilizações, oferecem diferentes formas de viver e consumir os alimentos.
Comer para se nutrir, para manter os laços com a cultura, com a sociedade. Comer para preservar as memórias mais fundantes e ancestrais que dialogam com as memórias recentes, e contemporâneas. Tudo isto faz com que cada comida tenha seu lugar e seu significado conforme a sua tradição alimentar.
Um caso exemplar sobre tradição alimentar está em comer acarajé como um hábito cotidiano. Este ritual de final da tarde, na rua, inicia-se na escolha do tabuleiro, no estilo, no acarajé preferido; assim, busca-se por certas assinaturas especiais das baianas de acarajé.
Tudo isto compõe um ideal que faz parte das nossas referências para compreender o que é o acarajé. E este acarajé ideal está unido a nossa cultura, ao nosso costume, e de pertencimento a cultura da Bahia.
Comer acarajé no tabuleiro da baiana traz um tempero todo especial, porque há um diálogo com a baiana, com o odor da fritura do acarajé no dendê; e ainda, há uma interação com os outros produtos que o tabuleiro pode oferecer, como: abará, bolinho de estudante, cocada, doce de tamarindo, entre tantos outros sabores que estão ali reunidos, e que além de seduzirem, fazem parte do glamour do consumo no próprio território. Porque é preciso contemplação, uma quase adoração à fritura do bolinho de massa de feijão. É preciso uma espécie de imersão na civilização do dendê. Apesar de que comer o acarajé apenas como uma simples comida, que é também uma opção.
Assim, o ato imemorial de comer sempre marcou um lugar de sobrevivência para a maioria dos povos do mundo. E hoje, nestes diferentes processos de isolamento social, o que se come ganha novos sentidos.
Raul Lody