COLUNA RAUL LODY
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O Samba-de-Roda e os contextos do açúcar no Recôncavo

Oh! Vida danada

É a vida de sambadô,

De dia está no trabalho,

De noite está no tambor."

 

Como indica o próprio nome samba-de-roda, trata-se de samba organizado e desenvolvido em formação coreográfica em roda, uma das manifestações mais tradicionais do samba na Bahia, especialmente na área do recôncavo onde se situa a cidade de São Salvador e outros centros de grande importância, como Cachoeira, Muritiba, Santo Amaro da Purificação, toda uma região marcada pelo ciclo econômico , social e cultural da cana-de-açúcar.

Sem dúvida, a grande concentração de mão-de-obra africana em condição escrava para lá deslocada em função do açúcar, funda e estabelece o patrimônio cultural do recôncavo, além de destacar também, com alto significado econômico, no cultivo de folhas de fumo e na fabricação artesanal de charutos.

Atribui-se aos momentos de folga e de lazer dessa massa trabalhadora das grandes plantações de cana-de-açúcar e fumo, bem como dos engenhos de preparo de açúcar, como o principal foco de criação e de realização dessa modalidade de samba que é o samba-de-roda.

O samba-de-roda também se inclui em ciclos festivos do recôncavo, especialmente na culminância dos calendários de festas religiosas como a de Nossa Senhora da Boa Morte em Cachoeira, as do ciclo junino em Muritiba, as de Nossa Senhora da Purificação em Santo Amaro, além de, na cidade de São Salvador nas tradicionais e conhecidas festas de largo, festas ao ar livre, no entorno de locais de devoção, reforçando temas das próprias festas, que são religiosas e assim interpretadas pelo jeito e criação afrodescendentes.

As festas mostram um verdadeiro conjunto arquitetônico de barracas que vendem comida e bebida, sendo também locais de se fazer e dançar samba, samba-de-roda.

O que caracteriza o samba-de-roda é o solista, dançarino que fica no centro da roda formada por outros dançarinos e músicos, e o ato da umbigada, com que o solista convida um participante para substituí-lo no centro da roda. O solo consiste em sambar miudinho, mostrando destreza, elegância e sensualidade nos meneios do corpo e agilidade nos pés, sabendo-se que samba é dança que exige alto controle e criatividade com relação aos pés, que fazem a base dos ritmos.

Todos cantam, batem palmas, brincam, comentam sobre o solista que exibe no centro da roda suas qualidades de dançarino, ora gingando mais as cadeiras, ora ampliando os passos, dando giros, volteando o corpo para a frente, insinuando que vai dar a umbigada, escolhendo ludicamente o próximo solista, tocando-lhe o ventre com o seu, no ato fundamental do samba-de-roda, e de muitas outras modalidades de samba, que é a umbigada.

 

 

Raul Lody

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.