COLUNA RAUL LODY
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No jarro de barro: a água de cheiro da baiana e os quitutes do tabuleiro

Ninguém viu o que eu vi hoje

Debaixo do alecrim

Duas pombinhas dizendo

Viva o Senhor do Bonfim.

                                 (poesia popular da Bahia)

 

A tradicional Festa de Nosso Senhor do Bonfim reúne o povo-do-santo ou o povo-do-azeite, que representa os terreiros de candomblé por meio das muitas baianas vestidas de branco, com muitas rendas e bordados.

É uma obrigação ritual religiosa para lavar a Igreja do Bonfim, localizada na colina sagrada, e que para o imaginário afrodescendente traz à lembrança de um monte sagrado chamado Okê.

As festas das águas de Oxalá, celebrada publicamente na lavagem das escadarias da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim, unem diferentes tradições religiosas que foram interpretadas, e assim constituem um estilo afro-baiano de crer e de manifestar fé.

O grande cortejo processional começa diante da Igreja da Conceição da Praia, próximo ao tradicional Mercado Modelo, na cidade baixa. E reúne centenas de baianas, com os seus jarros de barro pintados de branco e com flores, e são acompanhadas por conjuntos instrumentais, bandas, batucadas, que se misturam as carroças enfeitadas por folhas de coqueiros e bandeirinhas de papel-de-seda. As baianas formam uma massa humana que é ampliada pelos devotos, pelos festeiros, pelos visitantes e pela população local.

Tudo culmina na colina sagrada, cujo entorno reúne muitas barracas de comidas, geralmente da tradicional cozinha baiana: feijoada, feijão-de-azeite, maniçoba, moquecas; caruru de quiabo, efó, e outras delícias de dendê.  São muitas as baianas de acarajé com suas roupas tradicionais, e seus tabuleiros repletos de quitutes salgadas e doces.

Essa festa anual inaugura outras festas de Largo que fazem parte do calendário da Bahia e, em especial, da cidade do São Salvador.

E nestes contextos da pandemia, estas tradições tão importantes aguardam melhores condições locais para estarem presentes na vida da Bahia.

 

RAUL LODY

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.