COLUNA RAUL LODY
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Olubó – A memória das receitas africanas de Manuel Querino 2

Manuel Querino traz uma etnografia experimental, um retrato da sua vida na cidade do São Salvador do final do século XIX e início do XX. Uma Bahia muito próxima do evento de 1888, e Querino, como afrodescendente, tem um olhar social, cultural e religioso das relações interafricanos nesta cidade, e é um pioneiro nas análises da comida africana na Bahia.

Querino foi “Ogã” do candomblé do Gantois, e certamente este importante cargo na hierarquia masculina possibilitou um maior contato com as memórias e as maneiras de se preservar as muitas tradições de matriz africana e, em especial, a Ioruba e a Fon/Ewe.

Nesse contexto sagrado, destacam-se as receitas africanas e suas adaptações na Bahia. E assim ele relata: “Descascada a raiz de mandioca, em fatias muito delgadas são estas postas a secar ao sol. Na ocasião precisa são essas fatias levadas ao pilão e aí trituradas e passadas em peneira ou urupema. A água a ferver, derramada sobre o pó, produz o olubó, que é um pirão”. (A Arte Culinária da Bahia. WMF Martins Fontes, 2011. Org. Raul Lody)

Assim, o olubó é feito a partir de um tipo de farinha que não é assada em casa de farinha, e é apenas seca através de um processo artesanal, e depois é misturada com água. Possivelmente é a base do nosso tão consagrado e estimado pirão, uma comida do dia a dia, e que acompanha cozidos, peixadas, carnes, e com muitas outras invenções.

Notar que são muitos os pratos “moles” de base etnocultural africana na Bahia: vatapá, bobó, ipeté, angu de milho, caruru, efó; mingaus de carimã, de milho, de arroz; mungunzá, denguê, feijão de leite, arroz doce, entre outros.

Olubó, uma receita estudada por Querino e que possibilita um olhar ampliado sobre como comiam os africanos na Bahia.

O AUTOR Antropólogo, especialista em antropologia da alimentação, museólogo. Representou o Brasil no International Commission the Anthropology of Food. Autor de vasta obra publicada com centenas de artigos, filmes, vídeos, e mais de 70 livros nas áreas de arte popular e gastronomia/cultura/ patrimônio. Reconhecido por premiações mundiais e nacionais pelo Gourmand World Cookbook Awards. Curador da Fundação Gilberto Freyre, da Fundação Pierre Verger e do Museu da Gastronomia Baiana do Senac Bahia.